No que diz respeito à economia, as nações subsaarianas apresentaram um caminho oposto aos países desenvolvidos: ao passo que estes demoram em recuperar-se da crise econômica, aqueles há certo tempo apresentam taxas de crescimento claramente maiores. Se outrora tais nações eram ilustradas somente por fotos de refugiados ou de leões e outros animais selvagens, atualmente há muita esperança na possibilidade de crescimento e inclusão social nessas economias emergentes. E a convenção “África em Ascensão”, sediada em Maputo, no Moçambique, foi reflexo deste otimismo generalizado[1].
Organizado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o Evento terminou na última sexta-feira (30 de maio). Além da presença da Diretora-Gerente do FMI, Christine Lagarde, do ex-presidente norte-americano Bill Clinton, várias importantes autoridades africanas compareceram ao Evento[1]. Todos reunidos com o intuito de debaterem os principais desafios que os países africanos enfrentarão nos próximos anos para que a trajetória de crescimento seja mantida.
O Evento foi aberto pelo Presidente de Moçambique, Armando Guebuza. Seu entusiasmo era evidente – e compreensível[2]: seu país cresceu 7,4% em 2012[3] e sediar este Evento era uma clara oportunidade de divulgar o sucesso.
Entretanto, Christine Lagarde, no discurso de abertura[4], fez questão de não somente colher os louros deste período de pujança econômica, mas também de ressaltar os principais problemas adiante. Entre os entraves ao crescimento citados, como a questão demográfica e a baixa inovação tecnológica, um recebeu especial atenção: a recente queda nos preços internacionais das commodities[4].
Dentre as commodities de exportação, sem dúvida o petróleo foi o principal tema de debate. Tal cenário de queda nos preços traz iminentes riscos às economias africanas, já que muitas delas são grandes exportadoras do produto.
A Diretora-Gerente do FMI fez questão de ressaltar o zelo que as autoridades locais devem ter pela competitividade industrial, primeiro fator a ser afetado pela “doença holandesa” – expressão empregada por economistas para referir-se a nações que sofrem de apreciação cambial devido aos expressivos rendimentos em dólares que a exploração do petróleo traz. A questão da igualdade também foi abordada, já que os ganhos com a exportação dessa commodity devem ser distribuídos em projetos de inclusão social.
“O setor mineiro pode contribuir para a criação de riqueza e ganhos nas exportações, mas frequentemente contribui pouco para as receitas orçamentais e criação de emprego (…) é fundamental distribuir os benefícios, porque quando todos beneficiam, o crescimento é mais duradouro”[5], afirmou Christina Lagarde.
Em face a este grande desafio, é já sabida a comum recomendação feita por economistas e autoridades políticas: transparência na formulação de contratos e divulgação de dados, tributação eficiente e compromisso legal com a inclusão social[6]. Entretanto, tal solução teórica apresenta ser mera proposta inteligível quando posta na prática.
Dois dos principais países africanos membros da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP), Nigéria e Angola[7], são bons exemplos das dificuldades em institucionalizar políticas que promovam a transparência pública, a tributação eficiente e a justiça social. Recente estudo do Banco Mundial ressaltou a intensidade com que os conflitos armados entre pequenas comunidades e empresas petrolíferas evoluíram no delta do Rio Niger, na Nigéria[8]. Tais conflitos foram inclusive objeto de análise em um recente documentário de Hollywood, chamado “Big Men”[9].
Angola também se beneficiou do crescimento no preço internacional do petróleo. Desde 2001, o país apresenta média de crescimento anual de 10,5% no Produto Interno Bruto (PIB)[10]. Porém, assim como nas outras maiores economias subsaarianas, a dependência do petróleo nesse país é alarmante: em 2009, quando o preço internacional pago pelo barril caiu 33,8%, o valor das exportações caiu 36,3% e o PIB, que no ano anterior havia crescido 13,8%, apresentou mera expansão de 2,41%[11].
No que diz respeito à justiça social, Angola também carece de uma aplicação eficiente dos recursos oriundos da exploração desta commodity. A população rural sofre com a redução no acesso à água potável: em 1990, 41,8% da população presente na zona rural tinha acesso à água potável, sendo que este valor caiu para 34,2% em 2012[10]. A porcentagem de mulheres com AIDS abaixo de 15 anos cresceu nos últimos anos: em 1990, 54,7% estavam infectadas com a doença, ao passo que em 2012 este valor subiu para 58,8%[10].
Em meio a tais dificuldades, que não pertencem somente a Angola ou à Nigéria, mas sim a qualquer outra nação subsaariana emergente, é inevitável questionar até que ponto os benefícios econômicos da abundância de recursos naturais superam os inerentes desafios de sua exploração.
Em maio, a Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola (SONANGOL) – empresa estatal que detém os direitos de exploração de hidrocarbonetos em Angola – anunciou a maior descoberta de petróleo dos últimos anos[12]. É inevitável que esta notícia mergulhe autoridades e investidores estrangeiros em um profundo êxtase. Entretanto, para pequenas empresas e agricultores da zona rural, a desconfiança será provavelmente a primeira sensação a se manifestar.
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Imagem (Fonte – Getty Images):
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Fontes consultadas:
[1] Ver “O País”:
[2] Ver “FMI Videos”:
http://www.imf.org/external/mmedia/view.aspx?vid=3596155071001
[3] Ver “Banco Mundial”:
[4] Ver “FMI”:
http://www.imf.org/external/np/speeches/2014/052914.htm
[5] Ver “Jornal de Angola”:
http://jornaldeangola.sapo.ao/economia/recursos_minerais_tem_de_ser_bem_geridos
[6] Ver “Banco Mundial”:
[7] Ver “Organização dos Países Produtores de Petróleo”:
http://www.opec.org/opec_web/en/about_us/147.htm
[8] Ver “Banco Mundial”:
[9] Ver “Big Men, the movie”:
[10] Ver “Banco Mundial- Estatísticas”:
[11] Ver “Banco Nacional de Angola”:
http://www.bna.ao/uploads/%7B14d55b4d-f1af-49b7-ab6c-fd19a459b97a%7D.pdf
[12] Ver “Diário de Notícias”:
http://www.dn.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=3839339&page=2