A “Freedom House” é uma organização não-governamental americana que defende e conduz pesquisas a respeito da situação dos “Direitos Humanos” (sobretudo liberdades como as de expressão, associação e religião) e do estado de direito em diversos países do mundo. No entanto, em sua última avaliação do Egito[1], de janeiro de 2014, a ONG parece ter superestimado o “progresso” representado pela nova Constituição, adotada em 18 de janeiro.
Como observado em dezembro do ano passado[2], apesar de a Constituição apresentar certos avanços, destacados pela “Freedom House” (como nas áreas de direito da mulher, liberdade de expressão e outras liberdades civis[1]), ela também consolida o poder militar que se estabeleceu com a destituição do então-Presidente Mohammed Morsi, em julho de 2013.
Desde o projeto constitucional, especialistas já vinham criticando a independência e os privilégios conferidos às instituições estatais[3]. Agora, depois de aprovada a Constituição, a analista Mara Revkin aponta para uma brecha constitucional que permite que o próximo presidente egípcio “evoque o espectro do terrorismo como nunca antes para silenciar opositores”[4].
Trata-se do Artigo 237 do texto[5], que atribui ao Estado o dever de “lutar contra todos os tipos e formas de terrorismo e rastrear suas fontes de financiamento dentro de um prazo específico no reconhecimento da ameaça que ele representa para a nação e os cidadãos”[4].
Contudo, como observa Revkin, o artigo não define “terrorismo”, nem tampouco especifica os poderes conferidos ao Estado em nome da luta anti-terrorismo, adiando a tarefa para a futura legislação. Todavia, o Presidente interino do Egito, Adli Mansur, anunciou, pouco após o Referendo, que aprovou a nova Constituição e as eleições presidenciais ocorrerão em abril, antes das parlamentares – invertendo a sequência prevista no plano de transição anunciado em julho. Com isso, e visto que o país teve seu Parlamento dissolvido em julho do ano passado, se o favorito marechal Abdul Fattah al-Sisi (atual “Ministro da Defesa”) for eleito, poderá levar adiante a agenda legislativa por meio de decretos e fazer do anti-terrorismo sua ferramenta de perseguição a opositores[4].
Essa tática já foi observada no ano passado[6], quando partidários do antigo governo Morsi foram acusados por terrorismo[7][8]. Em dezembro, o Governo oficialmente declarou a “Irmandade Muçulmana” como organização terrorista, após o atentado com carro-bomba à sede da polícia da cidade de Mançura, muito embora o grupo militante “Ansar Bait al-Maqdis”, da “Península do Sinai”, tenha assumido responsabilidade por esse[9] e outros[10] ataques terroristas subsequentes, também atribuídos pelo Governo à Irmandade[4]. Com a nova Constituição, essa prática política ganha suporte constitucional, a estende a criminalização de supostas “organizações terroristas” e, também, a suas fontes de financiamento. Assim, qualquer grupo remotamente associada à “Irmandade Muçulmana” é também criminalizado, como até mesmo uma rede de hospitais de caridade que atende a milhões de pacientes por ano[4].
O fato de ter sido aprovada com 98,1% dos votos em janeiro desse ano pode indicar o sucesso dos militares em neutralizar a voz da oposição, ao invés de demonstrar um largo apoio da população 4]. Nesse sentido, a “Freedom House” avalia, de forma precisa, que não houve progresso no que concerne a “eleições”. O referendo constitucional, que contou com a participação de apenas 38,6% do eleitorado egípcio – estatística por si só suficiente para minar qualquer noção de consenso popular em torno da Constituição –, foi marcado por uma forte campanha governamental pelo “Sim” a proibição de qualquer campanha pelo “Não”[1].
Deve-se acrescentar ainda que o governador da província do “Vale Novo” afirmou que qualquer indivíduo pego colando pôsteres em defesa do voto “Não” estaria sujeito a punições legais sob a acusação de “desfigurar edifícios públicos”. No norte, na cidade de Ras-al-Bar, a polícia apreendeu folhetos em rejeitando a Constituição em uma operação similar a batidas policias em busca de drogas[11]. As acusações também compreendiam “propaganda por mudança de princípios básicos da constituição”, “tentativa de derrubar o regime” e “uso de força ou terrorismo durante o ato [de campanha]”[12].
Muito da mobilização opositora à nova Constituição e ao regime foi dificultada por uma Lei “anti-protesto”, de novembro de 2013, que proíbe que dez ou mais pessoas se reúnam e requer que manifestantes obtenham sete autorizações diferentes para realizar manifestações públicas, ou correr o risco de ser sentenciado a até 5 anos de prisão[4][13][14]. Como se os esforços oficiais não fossem o bastante, em 25 de janeiro, pouco após a aprovação da Constituição e aniversário de três anos da deposição de Mubarak, a violência tomou conta das ruas quando grupos de vigilantes se propunham a atacar qualquer um que se opusesse ao regime[15].
Em caminho similar, o presidente interino Mansur anunciou que seu gabinete começou a esboçar uma Lei contra o terrorismo que, utilizando-se dos termos do artigo 237, autorizaria larga vigilância de redes sociais, incluindo Facebook e Twitter e pode criar cortes especiais para lidar com crimes relacionados a acusações de terrorismo[4]. Um caminho que parece problemático para o futuro das liberdades de expressão, associação e religião no Egito.
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Imagem “Um membro do Movimento 6 de abril (opositor ao regime) é atacado por partidários do ministro da Defesa, comandante do Exército Abdel Fattah al-Sisi na Praça Talaat Harb do Cairo, perto da praça Tahrir, em 25 de janeiro de 2014” (Fonte):
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Fontes consultadas:
[1] Ver:
http://freedomhouse.org/sites/
[2] Ver:
http://www.jornal.ceiri.com.
[3] Ver:
http://mideastafrica.
[4] Ver:
http://www.foreignaffairs.com/
[5] Ver:
http://egelections-2011.
[6] Ver:
http://www.jornal.ceiri.com.
[7] Ver:
http://www.foreignaffairs.com/
[8] Ver:
[9] Ver:
[10] Ver:
http://www.longwarjournal.org/
[11] Ver:
http://www.atlanticcouncil.
[12] Ver:
http://www.hrw.org/news/2014/
[13] Ver:
http://www.theguardian.com/
[14] Ver:
http://www.hrw.org/news/2013/
[15] Ver:
http://transitions.