Dia nove de agosto passado foram realizadas eleições presidenciais na Bielorrússia e, mais uma vez, o atual Presidente, Aleksandr Lukashenko, venceu com 80% dos votos. Lukashenko, que é Chefe de Estado desde 1994, foi diretor…
Em 2016, Croácia e Polônia lideraram a criação da Iniciativa Três Mares (Three Seas Initiative, TSI ou 3SI) unindo 12 países europeus dos mares Báltico, Negro e Adriático. Estes países – Polônia, Estônia, Letônia, Lituânia, Áustria, Hungria, República Checa, Eslováquia, Eslovênia, Croácia, Romênia e Bulgária – têm por objetivo a realização de projetos conjuntos em inovação e desenvolvimento de infraestrutura.
A ideia de integração é antiga, data das décadas de 20 e 30 do século passado (Século XX), mas foi abortada devido à divisão imposta pela conjuntura da Guerra Fria e a oposição leste-oeste predominou em detrimento da cooperação norte-sul (que faria a integração hidroviária entre os mares). Mesmo com o fim da Guerra Fria, a maioria das pessoas estava acostumada a pensar no leste europeu em duas classes de países, desintegradas, as ex-repúblicas iugoslavas e os Bálcãs em geral e as nações do Norte que desempenharam uma transição mais bem-sucedida em direção a uma economia de mercado, sem ver, no entanto, que a integração regional daria força à própria transição e redução dos poderes autocráticos que ainda persistem em alguns partidos e governos.
O Projeto
Esse projeto já é bem antigo, foi idealizado por um líder político polonês do Entre-Guerras, Józef Piłsudski, em criar uma organização com nações para fortalecer-se frente Alemanha e Rússia, mas que por rivalidades nacionais entre esses mesmos países nunca avançou. A 3SI também é vista como alternativa de poder entre a OTAN, a União Europeia e o chamado Grupo de Visegrado*, criado em 1991, por quatro ex-membros do bloco socialista, Polônia, República Checa, Eslováquia e Hungria.
O atual Intermarium (literalmente, “entre os mares”) é a base física de um megaprojeto que pretende unir diversas nações com uma característica geográfica comum, a de estar entre o leste europeu, representado pela Rússia, e o Oeste, no qual as nações mais desenvolvidas da Europa que originaram o mercado comum e depois a própria União Europeia se encontram. A outra característica é geopolítica, sua posição central seria palco de objetivos comuns que apontam para uma autonomia em relação a poderes hegemônicos antagônicos, a OTAN e o Pacto de Varsóvia no passado, e, atualmente, entre a própria OTAN e a Federação Russa.
Países da Iniciativa Três Mares
De concreto, para sua realização está em andamento a realização da hidrovia E40. Trata-se de um projeto transnacional que irá se estender por 2.000 km do Mar Báltico ao Mar Negro, passando pela Polônia, Bielorrússia e Ucrânia, conectando os portos polonês Gdansk e ucraniano Kherson. Os rios Vístula, Bug, Mukhavets, Pina, Pripyat e Dnieper serão integrados, com realização de canais, represas, eclusas e dragagem ao longo da sua rota, para possibilitar a passagem de embarcações fluviais e marítimas. A maior parte dos investimentos, 12 bilhões de euros**, será destinada ao trecho polonês Vístula – Brest e a seção bielorrussa foi estimada em 150 milhões de euros***.
Benefícios da Hidrovia
Em primeiro lugar, a pacificação da região. Não que exista algum conflito iminente, o que não é o caso, mas sempre que há alguma integração física, de infraestrutura, a interdependência entre os membros serve como um bom fator de dissuasão de conflitos, ainda mais armados.
O projeto visa a integração econômica de vários países, além da redução da dependência do fornecimento de energia da Rússia e criação de um corredor de transporte, comunicações e energia no sentido norte-sul na Europa Central e Oriental. São vários projetos multilaterais para benefício da região, e outros bilaterais, de menor alcance:
Energia
· Conexão de gás entre Polônia e Lituânia;
· Integração e sincronização do sistema elétrico dos países bálticos com outras nações europeias;
· Corredor de transmissão de gás romeno-húngaro-eslovaco;
· Diversificação das fontes de fornecimento e infraestrutura de gás e implementação de um duto de gás dos países bálticos e interconexão fronteiriça entre Polônia e Eslováquia, e Polônia e Ucrânia;
· Gasoduto do Adriático;
· Terminal na Ilha de Krk (Croácia).
Digital
· Transporte de Stock Change na região de abrangência do 3SI;
· Plataforma digital para monitoração das bases hidrográficas;
· “U-space”, espaço de baixa altitude como um novo campo da economia. Central European Drone Demonstrator (CEDD);
· A “rodovia digital” 3SI;
· 3SI marketplace;
· Soluções interoperacionais para um setor energético sustentável e digital;
· Fórum “Smart City” para a Região da CEE;
· Campo de testes ZalaZONE, para novas tecnologias, veículos elétricos etc.
Transporte
· Conexão Norte-Sul – Rede de Transporte Trans-Europeia (Trans-European Transport Network, TEN-T);
· Via Carpatia;
· Viking Train;
· Rede de Transporte Trans-Europeia Báltico-Adriático;
· FAIRway Danube – medidas de reabilitação da navegabilidade e sustentabilidade do rio Danúbio;
· Ferrovia Báltica;
· Rail-2-Sea: “modernização e desenvolvimento da ferrovia Gdansk (PL) – Constança (RO)” (uso dual civil-militar);
· Amber – corredor de frete ferroviário;
· Via Báltica;
· Conexão Danúbio-Oder-Elba;
· Seção da hidrovia do rio SAVA entre Jaruge-Novi Grad.
Quem apoia
O projeto de ligação hidroviária E40 entre os mares Báltico e Negro, proposto pelo primeiro-ministro ucraniano Alexey Goncharuk, integrando nações como Polônia, Bielorrússia e Ucrânia, tem um enorme potencial de desenvolvimento regional. Ele está avançando e representa o futuro da autonomia de uma região que oscila entre as órbitas políticas de Bruxelas e Moscou, mas tem, igualmente, a capacidade de gerar divergências e conflitos entre os poderes de leste a oeste no continente europeu.
A ideia hibernou por conta das vicissitudes políticas do passado, mas ressurgiu após 8 décadas na Croácia, em Dubrovnik, em agosto de 2016. Em reunião realizada em Varsóvia no dia 6 de julho de 2017, o Presidente americano, Donald Trump, asseverou o apoio dos Estados Unidos à iniciativa de integração, não se limitando à instalação de infraestruturas de comunicação, transporte e energia, mas também comoforça política.
Quem contesta e porque contesta
Há movimentos ambientalistas contra, em defesa das áreas úmidas, pantanosas, das planícies fluviais entre os mares Báltico e Negro. Para concretização da E40, se fazem necessárias dragagens desses rios e a hipótese, temor na verdade, é de que vários ecossistemas sejam restritos e afetados, devido à operação e o revolvimento do lodo no leito dos rios que contém lixo radioativo (na área de Chernobyl), o que poderia contaminar a água de milhões de pessoas.
Pode se entender o temor russo pela formação de uma espécie de “cordão de isolamento” a sua expansão comercial a oeste. No entanto, o desenvolvimento preconizado pelos incentivadores do grupo Iniciativa Três Mares é de, justamente, não se tornar mais refém de uma interferência ocidental, representada pela OTAN, assim como pela Rússia, do ponto de vista político-militar, e, do ponto de vista econômico, não se tornar um conjunto de “Estados de transição” dependentes do apoio da União Europeia ou da Comunidade de Estados Independentes, dirigida pela Rússia.
Conclusão
A construção de um importante eixo hidroviário, reconhecidamente o meio de transporte mais econômico que há, além de integrar nações que oscilam e sofrem influências diversas, quando não antagônicas, como a União Europeia e a Federação Russa, é de suma importância. A própria Rússia, para sua sobrevivência e desenvolvimento econômico, está implementando um novo duto de transporte de hidrocarbonetos, que é o Nord Stream 2, com forte apoio da Alemanha para obter combustível acessível e barato ao desenvolvimento europeu. Da mesma forma, estas nações centro-europeias buscam seu desenvolvimento através da criação de nova infraestrutura.
A maior oposição, no entanto, pode vir justamente de suas próprias sociedades civis, como é o caso do crescente movimento ambientalista europeu, que aumenta seu poder com adesão da população e chegada aos governos e câmaras legislativas através das urnas. Para o desenvolvimento econômico e paz política, se faz urgente que o diálogo entre conservacionistas e desenvolvimentistas chegue a um termo comum, propostas exequíveis e capacidade tecnológica sustentável, ambiental e economicamente falando.
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Notas:
* Grupo criado em 15 de fevereiro de 1991, entre três países, Polônia, Hungria e a antiga Checoslováquia que se transformaria em quatro em 1993, com a divisão deste último. Seu objetivo residia, basicamente, em reforçar a cooperação mútua e promover sua integração à União Europeia.
** 72 bilhões e 360 milhões de reais, na cotação de 11 de julho de 2020.
*** 904 milhões e 470 mil reais, na cotação de 11 de julho de 2020.
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Fontes das Imagens:
Imagem 1 “O Chefe de Estado búlgaro está em visita à Romênia para participar da cúpula da Iniciativa Três Mares, setembro de 2018”(Fonte):
Os incêndios florestais na região de Chernobyl marcaram o 34º aniversário do pior acidente nuclear mundial. Os fogos iniciaram no dia 3 de abril, no oeste da Zona de Exclusão*, que corresponde a um raio de 30 km em torno da usina desativada. O fogo se espalhou para florestas nas proximidades, na cidade-fantasma de Pripyat e a apenas 2 km de depósitos de lixo nuclear. Um homem de 27 anos foi preso pela polícia, acusado de ter iniciado as chamas, cujo transtorno exigiu o trabalho ininterrupto de centenas de bombeiros, caminhões, aviões e helicópteros por mais de dez dias.
Turismo afetado
Apesar do trauma sofrido décadas atrás e da perda da atividade econômica original da usina, ela se tornou um atrativo turístico, sobretudo após o documentário Chernobyl, de 2019, sobre o acidente nuclear. Com a destruição causada pelos fogos, o turismo na região foi duramente afetado, já que correspondia a boa parte da receita da região. Apesar da motivação em um desastre, que foi a explosão de um reator na usina nuclear de Chernobyl, em 1986, a área se tornou um patrimônio histórico, do qual 1/3 das atrações turísticasfoi destruído.
Após o desastre de Chernobyl, 350.000 pessoas tiveram que ser evacuadas da região e, consequentemente, a vida selvagem voltou com força. Os incêndios ocorridos este ano (2020) não foram uma tragédia exclusiva para os ucranianos, mas também para o meio ambiente local, que está em processo de regeneração.
Seca, poluição e radiação
A fumaça percorreu mais de 750km e atingiu a capital Kyiv, distante 100km dos fogos, o que a tornou a cidade mais poluída do mundo em meados de abril, superando cidades chinesas que ocupam o posto com frequência, como Hangzhou, Chongqing e Shangai. Além do lockdown** imposto pela crise pandêmica, os cidadãos de Kyiv tiveram mais um motivo para se resguardar em suas residências, com sua cidade atingida por um denso smog, diferentemente do ocorrido em várias cidades do mundo, cujo ar ficou mais limpo.
Fogos e plumas no dia 9 de abril, em direção a Moscou
Os incêndios podem ter cessado, mas o risco de contaminação não. Cinzas e demais partículas radioativas depositadas nos jardins e em áreas agrícolas podem afetar a produção alimentícia. Segundo Olena Miskun, especialista em poluição atmosférica da Ecodiya, um grupo de defesa ambiental, o principal risco vem da inalação, através da fumaça com partículas lançadas anos atrás do núcleo aberto do reator de Chernobyl. O lockdown adotado no país, com as pessoas em casa, circulando menos e usando máscaras, ajudou na prevenção da contaminação radioativa.
Os fogos duraram mais de 10 dias e foram completamente debelados no dia 14 de abril, cuja ajuda chegou com as chuvas. Segundo Yegor Firsov, Chefe do Serviço de Inspeção Ecológica da Ucrânia, o nível de radiação de fundo***, no caso, é a radiação natural encontrada no meio ambiente, e também “está dentro da norma”.
Incremento às tensões
As declarações mais temerosas de grupos ambientalistas contrastam com as do governo, que, apoiadas por analistas da área econômica, procuram passar tranquilidade após a tragédia ocorrida. Para quem acompanha a situação da Ucrânia, em particular com a guerra que o país trava contra grupos insurgentes no leste, problemas decorrentes da dinâmica climática parecem menores. Mas, consequências como crises hídricas combinadas a níveis de radiação elevados sobrecarregariam sistemas de saúde, ampliando os custos e dificuldades para a população das regiões afetadas.
Mais de 30 anos após o acidente de Chernobyl, a região ainda sofre suas consequências e organizações supranacionais atuam tentando minorar os problemas. A ONU continua trabalhando com os governos bielorrusso, russo e ucraniano para assistir às populações afetadas e um grande projeto de desenvolvimento dirigido pelo Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BERD), envolvendo 45 nações doadoras, destinou mais de 2 bilhões de dólares**** para a construção de uma estrutura de confinamento do reator danificado.
Com uma crise conjuntural, ampliada pela pandemia e períodos extremamente secos, o próprio território do país está na raiz de seus problemas estruturais. Sua localização e extensão, cobiçadas por nações vizinhas, também são seu trunfo e poder de barganha. Mas, para que a ajuda internacional se torne efetiva e duradoura, através de investimentos em projetos de desenvolvimento, as reformas que estabelecem a confiança internacional têm que avançar.
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Notas:
* A Zona de Exclusão em torno da ex-usina de Chernobyl foi criada para evitar possível contaminação radioativa que ainda exista na área. Ela corresponde a 2.600km2, com 30km de raio em torno da extinta usina.
** Importante diferenciar os conceitos para perceber que, na Ucrânia, as medidas de restrição à circulação de pessoas foram mais severas do que, por exemplo, no Brasil. O lockdown é uma versão mais rigorosa de restringir a transmissão do vírus, com o bloqueio temporário de todas as atividades consideradas não essenciais para a manutenção da vida e da saúde.
*** Radiação de fundo é encontrada, normalmente, em baixos níveis. Provém, na sua maior parte, da radiação originada dos raios cósmicos e de muitas outras fontes, inclusive do solo, o que pode variar bastante conforme o local.
**** 10 bilhões e 623 milhões de reais, na cotação de 19 de junho de 2020.
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Fontes das Imagens:
Imagem 1 “Incêndio na Zona de Exclusão de Chernobyl” (Fonte):
A epidemia de um novo vírus na China no final do ano passado (2019) e que logo se disseminou pelo mundo se tornando uma pandemia[1] afetou duramente a economia da Ucrânia, além de causar um…
Muito se especulou sobre as
consequências para a União Europeia após a saída do Reino Unido, o
chamado Brexit[1], mas seus reflexos vão além desse
Bloco econômico, em especial para países vizinhos como a Ucrânia. Além disso, o
distanciamento do Reino Unido tem uma dimensão que não é meramente econômica,
afetando a Segurança e a Defesa do continente.
A combinação de crise
com o crescente euroceticismo[2], e a necessidade de maior rigor na proteção às
fronteiras devido aos fluxos de pessoas e mercadorias, reacende e fortalece
movimentos nacionalistas com uma base xenofóbica na Europa. Nesse contexto,
países da chamada “periferia europeia”,
o que inclui economias menos prósperas do Mediterrâneo, além da Europa
Oriental, e fatores de stress geopolítico
– como a guerra na Síria – obrigam Bruxelas a identificar prioridades para
manter a integridade da União Europeia.
Em termos globais, as
disputas comerciais entre Estados Unidos e China, as crises de pandemias por
conta de novas doenças que surgem, como o atual Covid-19, e conflitos nas
bordas do continente europeu, tornam a situação muito complexa para sugerir
quaisquer previsões futuras. Para a Ucrânia, a necessidade de tecer acordos com
novos parceiros globais, como o Reino Unido, agora separado do bloco europeu, é
urgente. Com a considerada ameaça russa no leste do país, aliada às
instabilidades da União Europeia, dividida entre se expandir criando um
ambiente de integração e harmonia vs. sua necessidade de segurança e
protecionismo, não é criada uma visão segura para a política externa
ucraniana. Embora o Brexit seja um afastamento radical de uma
organização de longa data e história, a União Europeia, os políticos ucranianos
podem usá-lo a seu favor para desenvolver ainda mais as relações
britânico-ucranianas, sobretudo para atração de mais investimentos ao país.
COMÉRCIO
O comprometimento como aliado do Reino Unido com a
Ucrânia existe desde sua independência em 1991 e, provavelmente, será
preservado. As regras comerciais, por sua vez, serão mantidas durante o ano de
2020, sofrendo alterações somente em 2021. Juntamente
com Japão, Coreia do Sul, Arábia Saudita, Egito, Rússia e China, o Reino Unido
é um dos mais importantes consumidores de alimentos mundiais, comprando mais da
metade do que consome. Com sua saída da União Europeia, o Reino Unido poderá
obter mais alimentos, particularmente, aves, milho, trigo, malte, sucos e mel
da Ucrânia, sem os custos que eram impostos aos exportadores.
Como a União Europeia é
um Bloco exportador de alimentos, com restrições à importação de produtos de
fora, sua prioridade é proteger
agricultores alemães e franceses. Dessa forma, o Brexit é uma grande
oportunidade para que um país como a Ucrânia, exportador de itens agropecuários,
possa ganhar mercado dentre os consumidores britânicos.
O Reino Unido absorve
42% das exportações metalúrgicas da Ucrânia, 18% dos derivados animais, 13% dos
produtos agrícolas e 7,5% dos alimentos. A
importação desses itens vai além do consumo humano, pois a criação de bois,
cordeiros, porcos e a produção de laticínios, cerca de 2/3 do setor
primário[3], dependem
dos grãos ucranianos para fabricação de ração. Para manter os benefícios e
ampliar o volume de trocas, ambos os países têm que agilizar seus acordos. Os
ganhos de produtividade para os britânicos na produção de ração e laticínios
apresentam grande potencial a ser explorado, sobretudo agora que as taxas aos
produtos importados para proteção dos equivalentes alemães e franceses não irão
mais existir.
As exportações da Ucrânia
para o Reino Unido totalizaram US $ 580,4 milhões[4] até novembro de 2019 e as
importações US $ 638,5 milhões[5]. Dentre os produtos importados
pelo Reino Unido destacam-se minérios, como o ferro e derivados, caso do aço,
além de milho, óleo e gorduras. Estima-se que o potencial total para negociar
chegou a US $ 918 milhões[6], segundo dados de 2017, sendo
que, no mesmo período, US $ 500 milhões[7] foram exportados, ou seja,
há muito espaço para crescer. Segundo um estudo feito em 2017, o
impacto econômico no comércio entre Ucrânia e Reino Unido com a assinatura de
um Acordo para a construção de uma Área de Livre Comércio, com base em dados de
2013-2016, levaria a um aumento de cerca de US $ 0,5 milhão[8] em reduções e US $ 335
milhões[9] em cotas tarifárias.
Por outro lado, como a Ucrânia já está negociando com o Bloco europeu, a
forma como se estabelecerá o comércio entre ela e o Reino Unido pode ser um
obstáculo. As oportunidades criadas vão depender do formato final do acordo
entre as partes. Se ainda não houver nenhum consenso entre Reino Unido e União
Europeia, as relações comerciais entre ambos serão
reguladas pela Organização Mundial do
Comércio, com mais regulamentações e tarifas. E por mais estratégico que seja o
mercado britânico, é importante que a
Ucrânia não perca de vista o
potencial de importação e consumo da União Europeia, que abarca mais de 440
milhões de habitantes.
MIGRAÇÃO
Um dos pontos chaves é
a questão da migração. As novas regras para migrar
ao Reino Unido devem ser efetivadas em 1º de janeiro de 2021. Dentre as
mudanças mais drásticas está a atribuição de pontos para selecionar imigrantes
que desejam trabalhar no seu território, o que pretende beneficiar a mão de
obra especializada em áreas de maior demanda.
O antigo programa de
isenção de vistos entre a Ucrânia e o Reino Unido se dava através das
regulamentações da União Europeia e, necessariamente, sofrerá revisão. Como Kiev já tomou a
iniciativa de liberar vistos para os cidadãos britânicos até 2021, agora espera
por reciprocidade do Reino
Unido.
UNIÃO EUROPEIA
Os britânicos foram
aliados particularmente importantes no apoio à entrada da Ucrânia na União
Europeia, que, agora, terá de procurar novos parceiros para atingir o objetivo
de ingressar no Bloco. Independentemente da presença ou não do Reino Unido, o
que dificulta o ingresso da
Ucrânia se deve mais às crises geradas pelos casos recorrentes de corrupção e a
guerra no leste.
Putin, Macron, Merkel e Zelensky, 2019
O combate à corrupção é
um dos pontos nevrálgicos para participação na União. Em 2018, os parlamentares
europeus adotaram uma emenda ao Projeto de Lei sobre Sanções e Lavagem de Dinheiro
da Lei Magnitsky, que prevê o
congelamento de bens e sanções para violadores dos direitos humanos. A
formulação de políticas para os negócios e esforços no combate à corrupção são,
praticamente, pré-condições para atração de investimentos britânicos ao país.
Embora o Reino Unido
nunca tenha participado ativamente do grupo de discussões para a paz na
Ucrânia, o chamado Formato da Normandia[12],
sempre foi um aliado próximo, sobretudo após a anexação da Crimeia pela
Rússia. No passado, Londres apoiou reformas promovidas por Kiev na
modernização do Estado, agora Kiev vai precisar desenvolver a cooperação com
outros países, demonstrando a capacidade de seu Ministério das Relações
Exteriores.
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Notas:
[1]Brexit é um
acrônimo para “British exit”, que significa, em uma tradução literal para o
português, “saída Britânica”. A expressão se refere ao processo de saída do
Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte da União Europeia, após 47 anos
como membro.
[2]Euroceticismo, diz-se
do sentimento de ceticismo em relação aos propósitos, premissas e desempenho da
União Europeia. Há neste movimento desde visões econômicas mais liberais contra
as ordens e regulamentações do establishment burocrático europeu, até movimentos
díspares, antiliberais, e nacionalistas saudosos de uma ordem política anterior
e de matizes protecionistas e isolacionistas na política externa.
[3]Setor Primário da Economia corresponde
ao setor mais antigo, extrativismo (mineral, animal, vegetal), agricultura e
pecuária.
[4]3,021 bilhões de reais, no câmbio
de 31 de março de 2020.
[5]3,323 bilhões de reais, no câmbio
de 31 de março de 2020.
[6]4,778 bilhões de reais, no câmbio
de 31 de março de 2020.
[7]2,602 bilhões de reais, no câmbio
de 31 de março de 2020.
[8]2,6 milhões de reais, no câmbio de
31 de março de 2020.
[9]1,743 bilhões de reais, no câmbio
de 31 de março de 2020.
[10]A Ucrânia se situa entre dois principais atores do cenário
geopolítico e geoestratégico, a União Europeia/Otan e a Federação Russa, está
muito mais próxima, não só geograficamente falando. Como um de seus principais
aliados não se encontra mais na União Europeia, resta a Kiev costurar uma nova
política externa que busque sustentação e crescimento econômicos. Uma parte
disto se encaminha com os acordos feitos fora do continente europeu, seja com a Turquia, seja com Omã e, agora, com o Reino Unido. Se Kiev conseguir
fazer o mesmo com Bruxelas, poderá ser um dos sócios preferenciais do bloco
econômico, mas, nesse jogo, o difícil será não sofrer nenhuma influência
contrária e indireta de Moscou, já que a Alemanha de Merkel e a França de
Macron parecem cansar do cabo de guerra com o gigante do leste. Não se trata de
uma opção fácil, pois a Europa também necessita muito do gás russo. Kiev tem
pressa e a diplomacia ucraniana vai ter que ser ágil o suficiente para
compensar qualquer possível perda com os europeus. A Ucrânia é um país com
muito potencial econômico, dado por sua demografia, localização estratégica,
recursos, solos etc. O que ela necessita é um poder de articulação para criar
interdependências entre outros Estados dentro e fora da Europa. Sua autonomia,
segurança e paz estão cada vez mais ligadas ao conceito de globalização.
[11] Nord
Stream 2 é uma nova linha de transporte de gás da Rússia,
através do Mar Báltico, diretamente para seus consumidores europeus. O projeto,
implementado pela estatal russa, Gazprom, deverá ser concluído ainda este ano,
2020.
[12]Formato
Normandiafoi um encontro diplomático
entre os quatro representantes da Rússia, Ucrânia, França e Alemanha, para
apaziguar a crescente guerra no Donbass. Levou esse nome por ocorrer em 6 de
junho de 2014, paralelamente às comemorações do desembarque na Normandia.
No início de janeiro, o presidente
ucraniano Volodymyr Zelensky e sua
família chegaram a Omã de férias, onde se
hospedaram no Hotel Ritz-Carlton Al Bustan Palace, na costa do Golfo de
Omã, perto da capital, Mascate. O mandatário também aproveitou a ocasião para
algumas reuniões de cúpula, onde encontrou o Ministro das Relações Exteriores
do Sultanato de Omã, Yusuf bin Alawi bin
Abdullah. As pautas se concentraram, oficialmente, em:
– comércio bilateral;
– cooperação econômica;
– relações diplomáticas;
– investimentos na Ucrânia.
Negócios, segundo o governo
Em 2018, a Ucrânia exportou
59,12 milhões de dólares* para o Omã e importou
pouco mais de 7 milhões de dólares**, mas o crescimento
do comércio entre os dois países, que aumentou mais de 10% no ano passado,
chegando aos 80 milhões de dólares***, levou Zelensky a propor investimentos
diretos de Omã, sobretudo em setores como energia e indústria pesada,
construção, agricultura, tecnologia da informação, infraestrutura, medicina e
turismo.
O atual nível de cooperação bilateral
ainda não corresponde ao potencial disponível em comparação com o crescimento
dinâmico das relações comerciais. Zelensky também sugeriu
aos parceiros de Omã que participassem de uma campanha de privatização em larga
escala na Ucrânia. Na reunião concordaram em continuar a prática dos fóruns de
negócios ucraniano-omani, com a participação de dezenas de empresários de Omã, relatou
o Gabinete da Presidência da Ucrânia.
Yusuf bin Alawi bin Abdullah, Ministro das Relações Exteriores do Sultanato de Omã, abril de 2004
Falta de
transparência
Destaca-se sobre esta viagem que nenhum anúncio oficial fora feito
sobre a visita de Zelensky a Omã. Após suas férias de Ano Novo na residência
presidencial de Synyohora, nos Montes Cárpatos, Zelensky retornou a Kiev e
depois viajou, confidencialmente,
em um voo regular, com recursos
próprios, para Omã.
Suspeitas foram levantadas sobre o
verdadeiro objetivo desta viagem, de que tenha sido para encontrar um alto
representante do governo russo, envolvendo questões de segurança entre os dois
países. Nikolai Patrushev,
Secretário do Conselho de Segurança da Rússia, o segundo nome em importância
depois do próprio Vladimir Putin, também teria
chegado em Omã, no dia 8 de janeiro, a 1 hora da manhã, enquanto Zelensky,
24 horas depois.
O governo ucraniano negou veemente
tal encontro do Presidente com o Secretário russo. E, diante dos fatos, ameaçou acionar
judicialmente quem insistir em fazer tais ilações. No caso da denúncia já
feita pelo site Skhemy, o governo
ucraniano aguarda um pedido de desculpas antes de tomar as medidas
cabíveis, ao que os jornalistas respondem que estão “aguardando este documento”.
Nikolai Patrushev, Secretário do Conselho de Segurança da Rússia, e John R. Bolton, ex-Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, em Genebra, 2018
Desgaste
Caso verdadeiras tais suspeitas sobre a
sua viagem, Zelensky teria poucas chances de ser impichado devido à coalizão pró-governo e a maioria
das cadeiras de seu Partido, o Servo
do Povo, que domina a Câmara. De qualquer modo, a falta de transparência
das atividades presidenciais no país árabe ensejou que grupos influentes, como
o Movimento de Resistência à Capitulação,
solicitassem um relatório detalhado da estada do Presidente em Omã.
Também, uma petição apresentada
pelo Deputado de oposição, do partido Solidariedade
Europeia, Oleksiy Honcharenko,
levou a Agência Nacional de Prevenção da
Corrupção a uma investigação sobre declarações financeiras públicas do
Presidente, atualizando-a com gastos na visita a Omã. O Deputado também iniciou
a criação de uma Comissão de Investigação na Verkhovna Rada****, que poderá levar à confirmação ou refutação das
alegações feitas pelos jornalistas da Skhemy.
Se o encontro com o Secretário do
Conselho de Segurança Russo for confirmado, Zelensky provavelmente será acusado
de traição, afirmou
o Deputado, e, muito embora o impeachment não seja uma realidade palpável,
o desgaste político pode ser enorme. O fato é que tudo isso poderia ter sido
evitado, caso houvesse maior transparência por parte da organização da agenda
presidencial, pois, nesses tempos de rápida circulação de informações,
verídicas ou falsas, todo cuidado necessário para evitar crises desnecessárias
é visto como bem-vindo.
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Notas:
* Aproximadamente 276,73 milhões de reais, no câmbio de 9 de
março de 2020.
** Em torno de 32,76 milhões de
reais, no câmbio de 9 de março de 2020.
*** Próximos de 374,47 milhões de
reais, no câmbio de 9 de março de 2020.
**** O Verkhovna Rada (Верхо́вна Ра́да Украї́ни,
em ucraniano) é o poder legislativo unicameral da Ucrânia, composto por 450
cadeiras parlamentares preenchidas através do sufrágio universal. Trata-se do
único órgão legislativo nacional, situado na capital, Kiev.
Imagem 3 “Nikolai Patrushev, Secretário do Conselho de Segurança da Rússia, e John R. Bolton, ex–Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, em Genebra, 2018” (Fonte): https://www.flickr.com/photos/us-mission/42406161650
Um grave acidente aconteceu em 8 de janeiro, aproximadamente à meia-noite (horário de Brasília)*, no aeroporto Imam Khomeini, no Irã. O voo PS752 da companhia aérea Ukraine International Airlines (UIA) com destino a Kiev foi…
A Ucrânia e o Fundo Monetário
Internacional (FMI) assinaram um acordo no dia 7 de dezembro de 2019, de 5,5
bilhões de dólares* válidos por três anos. As negociações ainda dependem de
reformas estruturais que visem o aumento da confiança de investidores. Conforme
estas avancem, o Conselho Executivo do Fundo poderá aprovar o acordo ainda no
primeiro trimestre deste ano (2019).
Gueorguieva se referiu às influências de
atores privados nos governos ucranianos e possíveis vantagens inadequadas que
serão obtidas se as regras não ficarem claras sobre como devem operar as
instituições. Segundo analistas do JPMorgan,
esta ameaça “vem de poderosos empresários representados em
grande parte pela estrutura oligárquica sobreposta a instituições fracas”.
Esta não foi a primeira vez que o FMI tentou afastar a Ucrânia desta situação,
mas seus êxitos no passado foram parciais e a instituição sabe que grupos de
interesse irão resistir às reformas propostas.
O grupo faz referência ao caso envolvendo
Ihor Kolomoisky, um dos alegados
financiadores de campanha de Volodymyr Zelensky, que teve prisão decretada na
Ucrânia durante o governo anterior, de Petro
Poroshenko. Kolomoisky foi acusado de fraude bancária e seu antigo Banco, o
PrivatBank, foi nacionalizado após o
caso. Kolomoisky, que mantém a alegação de inocência, se refugiou na Suíça em
2017 e retornou à Ucrânia em maio de 2019.
Em que pesem os temores do FMI, à
primeira vista, a economia
ucraniana vai bem. O PIB cresceu mais rapidamente no segundo trimestre de
2019 do que todo o período anterior desde a crise de 2014, o salário médio vem
crescendo a dois dígitos em média por vários anos, os investidores têm apostado
na Ucrânia e as agências de classificação avaliam bem a situação do país, o que
reflete no acesso ao crédito. Por outro lado, com a ameaça de crise global, a
desaceleração da produção industrial nacional, a inflação acima da meta, o
subfinanciamento público e a alta do dólar servem como sinais de alerta.
O Gás
O ponto sensível da economia ucraniana
está na questão energética. Embora o país não importe mais gás natural de seu
vizinho russo, ele ainda depende das taxas de trânsito do gás exportado pela
Rússia à Europa, são 3 bilhões de dólares** em receita anual, cerca de 2,5% do
PIB.
Mas, tudo isso pode ser perdido com a
finalização das linhas Nord Stream II
no Báltico e a TurkStream no Mar Negro.
Estes dois gasodutos passarão em volta da Ucrânia, tornando a passagem pelo seu
território irrelevante e permitindo maior poder dissuasório à Rússia, no caso
de novos conflitos entre os dois países, ou retomada dos já existentes, como em
Donbass ou pela Crimeia.
A energia alternativa e com outras
matrizes crescem na Ucrânia, mas ainda são
insuficientes para fazer frente às suas necessidades. Como o transporte de
gás com toda a capacidade no Nordstream II está previsto para 2022, ainda há
uma margem de tempo para a Ucrânia negociar um acordo com a gigante estatal
russa, a Gazprom.
Maiores Gasodutos Russos para a Europa
Outro problema se refere à economia e
distribuição de energia interna na Ucrânia. Para que os investimentos sejam
feitos, especialmente na modernização
da infraestrutura, problemas estruturais institucionais, como a corrupção,
devem ser combatidos. Este é o ponto chave para que a Ucrânia consiga atrair
mais capital e é exatamente nisto que se concentra o acordo do FMI no setor de
gás.
O Acordo
Em documento, o FMI diz que
as tarifas de gás não eram ajustadas desde abril de 2016, apesar do aumento dos
preços internacionais. Como adaptação a esta defasagem, e temendo reações
políticas, as autoridades suspenderam os ajustes no verão de 2017. Isto ampliou
a diferença entre preços liberalizados para a indústria e os congelados para
consumo doméstico, além de recriar oportunidades para esquemas corruptos no
desvio de gás doméstico às empresas. Consequentemente, a Naftogaz
teve suas finanças agravadas, apesar de conseguir manter saldos positivos de
caixa devido às receitas de trânsito.
Para a liberalização do gás, o governo
ucraniano em 2018 adotou um aumento de 26% no preço de atacado e de 15% em
2019. Para 2020, a promessa é que as tarifas de gás doméstico sejam totalmente
determinadas pelo mercado.
Apesar das
projeções do Banco Central da
Ucrânia de crescimento real do PIB de 3,5% para 4,0% em 2021, os benefícios
do crescimento podem demorar a chegar aos estratos inferiores da sociedade, bem
como em regiões mais afastadas e carentes de infraestrutura, notadamente
aquelas em conflito, como é o caso do Donbass. E em um país em guerra isto pode
servir como combustível para uma maior insatisfação popular e conflagração.
O Dilema
Recentemente, Ihor Kolomoisky, um dos
homens mais ricos da Ucrânia e apoiador da candidatura de Zelensky, se mostrou
favorável a uma reaproximação com a Rússia. Dada a influência nada desprezível
e o crédito que tem Kolomoisky na sociedade ucraniana, sua afirmação é digna de
nota. O oligarca ucraniano é reconhecido por fomentar
e apoiar milícias pró-ucranianas antes do Exército do país conseguir se
organizar para conter a insurgência de separatistas apoiados pela Rússia.
Se esta sugestão de procurar
reconciliação e apoio financeiro com Moscou for mais que uma mera manifestação
de desejos, o destino da Ucrânia pode não estar selado através de acordos como
o do FMI. Por outro lado, o jogo político entre as forças ucranianas
pró-ocidentais e pró-russas irá depender do pêndulo do apoio popular. Zelensky
terá de ser ágil, enquanto seus índices de aprovação continuam
altos, para dar direção ao rumo do país. Resta apenas saber se atalhos são
sustentáveis no longo prazo ou indicam um caminho seguro, mas esta é uma
pergunta que só o povo ucraniano poderá responder.
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Notas:
* O equivalente a 22,89 bilhões de reais, na cotação de 17 de
janeiro de 2020.
** O equivalente a 12,531 bilhões de reais, na cotação de 17
de janeiro de 2020.
*** O equivalente a 416,19 bilhões de reais, na cotação de
17 de janeiro de 2020.
Há décadas que a Ucrânia debate a
regulamentação de seu mercado de terras. Grupos antagônicos divergem sobre
vantagens e desvantagens da formulação de uma legislação do setor. O fato é que
essa reforma é necessária ao desenvolvimento econômico de longo prazo, à sua
atração de capitais fixos ao território ucraniano, mas, no curto prazo, do
ponto de vista político, ela é altamente impopular.
Existe uma moratória ao mercado de terras
há 18 anos e no dia 13 de novembro se ensaiou sua retirada, o que seria uma
decisão histórica para o país. O Projeto de Lei adotado permitiria que
se comprasse e vendesse terras no país, considerado o “celeiro da Europa”. Sua aprovação contou com 240 votos, 227 dos
quais com o partido do Presidente, o Servo
do Povo. Os outros partidos, nacionalistas ou pró-russos, o Solidariedade, do ex-presidente
Poroshenko, a Voz, do astro de rock
Sviatoslav Vakarchuk, a Pátria, de
Yuliya Tymoshenko, e a Plataforma de
Oposição – For Life –, pró-russo, foram contra.
Apesar da justificativa para a entrada da
moratória em 2001 ter sido a preparação para leis necessárias à introdução do
mercado de terras, ela foi regularmente prorrogada. O grande temor é de que a
terra ucraniana fosse tomada por estrangeiros, dentre os quais, chineses e
árabes. Isto levou ao presidente Zelensky a anunciar que o projeto seria
alterado antes de uma segunda leitura para que apenas “cidadãos
e empresas ucranianas fundadas por cidadãos exclusivamente ucranianos” tivessem o direito de
vender e comprar as terras, com a possibilidade de extensão desse direito a
estrangeiros através de um referendo, exclusivamente, ucraniano.
Quem teria
acesso à terra?
Com o objetivo de abrir o mercado, o
Projeto de Lei apresentava restrições, como não mais que 35% das terras
agrícolas poderem ser possuídas por um indivíduo dentro de uma comunidade territorial unificada*, não
mais do que 8% do oblast e não mais
do que 0,5% (200.000 hectares) no país. Na prática, como grande parte das
terras agrícolas já é de propriedade de grandes empresas com participação de
capital estrangeiro, as restrições mencionadas no projeto não se aplicarão à maioria delas.
Formalmente, de acordo com o documento
aprovado, apenas podem comprar terras:
Eles podem adquirir a terra para fins
agrícolas, mas são obrigados a aliená-las dentro de um ano a partir da data da
aquisição da propriedade, o que seria um fator de desestímulo às transações. No
entanto, há um parágrafo sobre “Disposições
Transitórias do Código de Terras”, dedicado a estrangeiros e entidades
estrangeiras que proíbe a compra de terras até 2024, mas concede exceções aos
que trabalham na Ucrânia há, pelo menos, três anos. Além disso, quando a lei
entrar em vigor, terão preferência na compra das terras.
Para os deputados que criticaram o
projeto aprovado, os interesses dos grandes produtores agrícolas de origem
estrangeira foram garantidos, aumentando o risco de monopolização do setor. Com o fim do comunismo, muitos empresários se formaram
arrecadando ativos do Estado com valores abaixo do mercado externo, porém, o
setor agrícola permaneceu fechado até que uma lei de terras fosse aprovada, que
veio em 2001. No mesmo ano foi declarada a moratória para venda até 2005 e, até
hoje, o Parlamento já prorrogou seu fim por
nove vezes.
O que os
ucranianos pensam sobre o projeto?
Enquanto a União Europeia apoia a
abertura do mercado de terras ucraniano, a sociedade ucraniana a rejeita por
até 73% da população, segundo pesquisa da Rating, podendo chegar até 80% de rejeição em outras fontes de pesquisa.
Quais seriam as raízes de tamanha
rejeição?
O
tema é sensível porque o
conceito de terra na Ucrânia está
intimamente ligado à ideia de nação,
tanto que há uma palavra que tem ambos os significados, zemlia. Desde a coletivização
forçada de terras pelo regime comunista** que a posse de sua propriedade
individual é vista como uma questão de autonomia
nacional. Mas, nesse sentido, a terra como propriedade privada é vista,
prioritariamente, como terra para os
ucranianos. Apesar da predileção dos nacionalistas ucranianos em se
integrarem à União Europeia, para esta a abertura
do mercado de terras é essencial ao desenvolvimento econômico do país.
O argumento primordial contra a abertura
do mercado de terras é pelo risco de monopolização do setor, mas, como ele se
organiza hoje? Em 2001, 74% das terras aráveis
da Ucrânia pertenciam a sete milhões de proprietários e80% dessa terra está sob controle de pequenas empresas agrícolas
ou fazendas. Os 20% restantes (6,3 milhões de hectares) da área total das
terras aráveis estão nas mãos das 100 maiores empresas, 12 das quais controlam
um pouco mais da metade da área (3,2 milhões de hectares). Ou seja, mesmo com o
objetivo de proteção aos pequenos e médios proprietários, a moratória à
liberação do mercado acaba por proteger os grandes grupos já consolidados,
evitando a competição.
Esta
argumentação é a base dos defensores da reforma, que classificam as forças
contrárias como atrasadas e as culpam por corresponderem aos interesses dos
grandes proprietários de terras já existentes. Também refutam os alertas de que
a reforma não beneficiaria a maioria dos ucranianos. Esse tipo de temor se
ampara na visão de que estrangeiros tomariam as terras ucranianas não restando
nada aos nacionais, mas, não foi o que ocorreu em todos os momentos de
entrada de capital
no país. Em um prazo de 20 anos, da independência do país até 2010 observou-se:
1. A privatização da
Kryvorizhstal, a maior siderúrgica integrada da Ucrânia, quando entraram 4
bilhões de dólares em receitas (aproximadamente, 16,4 bilhões de reais,
conforme a cotação de 23 de dezembro de 2019);
2. A abertura do setor
bancário para estrangeiros em 2004, o que trouxe dezenas de bilhões de dólares
para o país;
3. A liberalização de
vistos para cidadãos da União Europeia em 2005.
E é isto que
os defensores da reforma esperam, um dramático aumento dos investimentos, caso
caia a moratória.
Uma decorrência lógica desta situação
restritiva é a instauração de um mercado paralelo na compra e aluguel de
terras, isto é, que funciona ilegalmente. Segundo matéria de 2018, houve 3,2 milhões de
transações em dois anos, quase 95% dessas são herdadas ou arrendadas, além, é
claro, do desenvolvimento de várias modalidades de corrupção.
Os solos negros de chernozem na Ucrânia estão dentre os mais férteis do mundo
Segundo a Constituição
Ucraniana, em seu Artigo 14, a terra é
a grande riqueza nacional. Mas, nas economias contemporâneas, ela é um meio
para a produção de riquezas e, diferentemente de outros recursos minerais, como
petróleo, minerais metálicos etc., finitos por natureza, a terra pode ser
preservada e manejada sob o conceito da sustentabilidade. Isto, no entanto, requer investimentos em insumos
e mão de obra. Com a elevação desses custos, boa parte das propriedades tem
sido alugada ou vendida, ainda que ilegalmente. A organização logística das
vendas, o financiamento bancário para compra de insumos e maquinário, a
infraestrutura necessária para distribuir a produção nos mercados regionais e
nacional no atual estado tornam mais fácil aos moradores de Kiev comprar maçãs
polonesas que ucranianas. E é este mercado que tem que ser levado em
consideração, para que proprietários, investidores e consumidores possam
atingir um ótimo comum, que lhes permita fugir das armadilhas monopolísticas de
um mercado restrito ou de uma privatização seletiva.
** A coletivização forçada de terras pelo regime comunista
foi um processo de expropriação de
propriedades privadas, sobretudo agrícolas, ocorrido entre 1929-1931, quando
Josef Stalin estava no comando da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS). A drástica concentração de propriedades passando de 21 milhões de
unidades para cerca de dois milhões (1931) trouxe enormes prejuízos na
produção. Para a Ucrânia, particularmente, foi muito mais do que uma má
política com consequências administrativas e logísticas negativas, pois
implicaria em um processo deliberado de perda da produção, aproveitado como
arma política, causando a morte de, no mínimo, sete milhões de ucranianos,
conhecido como Holodomor, o
“Holocausto Ucraniano”, entre 1932 e 1933.
*** Grívnia, moeda
ucraniana que, de acordo com a cotação em 19 de dezembro de 2019, equivalia a
17 centavos de Real.
O prolongado conflito entre a Rússia e a Ucrânia na guerra do Donbass já dura cinco anos e levou à morte de 13.000 ucranianos, 40.000 feridos e 1,5 milhão de desalojados. Como parte do trabalho…