Já em 2014, o então Comissário dos Direitos Humanos na Rússia, Vladimir Lukin, caracterizou a situação dos direitos humanos no país como insatisfatória. Apenas dois anos mais tarde, em 2016, Moscou anunciou o encerramento do…
Em dezembro de 2019, o Comitê de Inteligência e Segurança (CIS) do Reino Unido lançou um relatório amplamente redigido sobre a influência do Kremlin na nação insular. O documento, conhecido como “Relatório Rússia”, tardou sete meses a ser apresentado, devido a particularidades internas do órgão redator. Considerado um potencial digressor da já frágil relação Reino Unido e Rússia, o compilado investigativo expôs que a intervenção russa existe, mas de maneira sutil.
Um dos maiores marcos do relatório seria a evidência segura de interferência estrangeira no referendo do Brexit, em 2016, mas o Comitê considerou que o impacto de qualquer tentativa de espalhar influências naquela altura seria difícil de estimar, e concluiu que o Kremlin não incorreu na casuística. Contudo, o texto aponta para o intento de desintegrar e desestabilizar o Reino Unido em 2014, quando uma “fonte aberta de credibilidade” sugeriu que a Rússia buscou influenciar os movimentos de independência na Escócia.
Além das intervenções de caráter político, o documento do CIS denuncia uma suposta presença de agentes perniciosos a mando do Kremlin, os quais se utilizam do cyber-espaço para se infiltrar na chamada Infraestrutura Crítica Nacional (água, energia, telecomunicações, segurança etc.) do país e desestruturá-lo internamente. Do mesmo modo, há evidências de tentativa de coletar dados confidenciais sobre investigações criminais envolvendo agentes russos, tais como o atentado de Salisbury, em 2018, que tinha como alvo o ex-agente russo Sergei Skripal e sua filha. O envenenamento dos Skripal abalou as relações entre Rússia e Reino Unido, culminando na expulsão de diplomatas dos países. Sobre o episódio, Putin se pronunciou em 2019, dizendo que, quem quer que sucedesse Theresa May, deveria “virar essa página conectada com espiões e tentativas de assassinato”. E ainda completou que melhores laços entre Londres e Moscou beneficiariam os interesses de cerca de 600 companhias britânicas atuantes em Londres.
Putin dá entrevista para a TASS sobre agentes estrangeiros, 2020
As palavras de Putin condizem, de fato, com o que viria a ser exposto um ano depois, no Relatório Rússia, contudo, parecem uma digressão da realidade. De acordo com o jornal Express, o relatório aconselha as autoridades a “seguir o dinheiro”, expõe que Londres tem sido um verdadeiro refúgio para dinheiro “esquivo” dos russos, e alega que o próprio Reino Unido é responsável por isso.
O Comitê urgiu que ações sejam tomadas para subjugar a ameaça russa. A lei que ainda vigora a respeito da espionagem no Reino Unido (Official Secrets Act – Atos Oficiais Secretos) foi editada pela última vez há 31 anos e não é adequada para lidar com o advento da globalização, da tecnologia, big data e cyber-espionagem. Sob a legislação vigente, “uma pessoa que não é cidadã britânica ou servo da Coroa não comete ofensa se revela informação fora do Reino Unido”. Nesse sentido, observa-se que resta claro que tal premissa é ineficaz no combate à espionagem em tempos de mobilidade global e fronteiras flexíveis.
Após o lançamento oficial do relatório, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson retomou o projeto de reforçar a legislação antiespionagem, cuja semente foi plantada por Theresa May em 2019 e seguiu com Johnson. Entre as medidas mais imediatas estão uma atualização das definições de ofensas passíveis de sanção e o registro compulsório de agentes estrangeiros à entrada do país. Philip Ingram, um ex-coronel da inteligência britânica, disse à revista Wired que a bases de dados da Inteligência possui uma lista atualizada de espiões estrangeiros, mas não há como rastreá-los todos se vêm ao país. Ingram acredita que uma “nova legislação tornaria mais fácil removê-los (do país) caso não se declarem à entrada”.
Boris Johnson e Emmanuel Macron – [UK Prime Minister / OGL3
Além disso, o governo britânico quer modernizar os estatutos competentes, ampliar poderes de agência aos órgãos de aplicação legal e policiamento, modernizar delitos existentes e criar novos para abranger o alcance da espionagem moderna. Ainda em finais de julho, o Ministro dos Assuntos Domésticos, James Brokenshire, anunciou que o Reino Unido pretende estreitar as regras para os vistos de investimento no país.
Para Eliot Higgins, fundador da Bellingcat (uma plataforma de investigação de mídias sociais), as medidas contraespionagem devem ser extremas e aliar-se à tecnologia, por exemplo, com o amplo uso de passaportes biométricos, pois isso faria com que a Inteligência russa tivesse que recriar suas identidades falsas; ou com o bloqueio do uso do sistema bancário. Higgins acredita que a Rússia está numa “zona de conforto”, e sabe até que ponto agir para não ser enquadrada pela lei britânica. Contudo, o conteúdo do Relatório Rússia e a seriedade de Boris Johnson indicam que a subversão causada por agentes que viam na impunidade sua maior aliada pode estar com os dias contados.
A morte de George Floyd enquanto em custódia de um oficial de polícia nos Estados Unidos incendiou o palco internacional com protestos contra o racismo e a brutalidade policial. Em várias nações democráticas ocidentais, ativistas solidários ao movimento “Vidas Negras Importam” (#BlackLivesMatter) vandalizaram e levaram ao chão estátuas que remetiam a um passado colonial e escravagista, como monumentos dedicados a Cristóvão Colombo e ao Presidente americano confederado, Jefferson Davis. A história da Rússia, contudo, mostra-se imune ao derrubamento de monumentos simbólicos.
Em artigo para o The New York Times, o jornalista Andrew Higgins expõe os perigos de vilipendiar monumentos em sociedades que divergem quanto à visão de seus heróis e vilões. Higgins relembra um episódio em agosto de 1991, na cidade de Lubyanka, quando jovens moscovitas, eufóricos pelo fim do comunismo, celebraram sua vitória derrubando a estátua do fundador do Serviço Secreto Russo (antiga KGB, atual FSB), Felix Dzerzhinsky, enquanto entoavam “Abaixo a KGB”, como forma de transmitir a mensagem de que os tempos estavam mudando. Cerca de 30 anos depois do ato, Vladimir Putin, ex-agente da KGB, governa a Rússia e um busto de Dzerzhinsky está erigido na parte externa do quartel-general da polícia de Moscou.
A eficácia de vandalizar ou derrubar estátuas é contestada por intelectuais e liberais russos. Nina Khrushcheva, especialista em Rússia na Nova Escola de Nova Iorque e neta de um líder soviético, acredita que: “Apagar não funciona (…). Uma vez que você destrói o herói de alguém, apenas incita ódio e força sentimentos ao subsolo”. Manifestantes da investida de 1991 contra a estátua de Dzerzhinsky admitem que a atitude, embora cheia de significado e altivez, não provocou o efeito esperado. Maria Lipman, jornalista na época da queda do comunismo na Rússia, diz que “Declarar guerra contra homens de bronze não torna sua vida mais moral ou justa. Não faz nada, na verdade”. Corroborando essa opinião, Mikhail Y. Schneider, ativista pró-democracia e líder dos manifestantes na investida contra a KGB em 1991, justifica que derrubar a estátua apelou para o lado emocional e fez as pessoas acreditarem que estavam vivendo em um país diferente, mas “não mudou nada” de fato.
Águia de duas cabeças no Kremlin
Salienta-se que muitos símbolos foram abatidos no passado em nome de uma nova ordem mais civilizada e progressista, como, por exemplo, um monumento dedicado ao czar Alexander III (pai de Nicolau II), que teve a cabeça decepada pelos bolcheviques em 1917. Ou então a águia de duas cabeças, que foi removida do Kremlin na mesma época e deu lugar às estrelas vermelhas atuais.
Na Federação Russa contemporânea, estátuas de simbolismo controverso não são destruídas e sim realocadas a sítios de valor histórico, cujo mecenas principal é o próprio governo. O Parque de Artes Muzeon é um museu ao ar livre, administrado pelo Estado Russo, que exibe figuras de heróis caídos da nação, tal como estátuas de Stalin, do líder bolchevique Yakov Sverdlov, e do próprio fundador da KGB, bem como homenageia suas vítimas. A descrição oficial do website chama o museu de “lugar para salvaguardar artefatos históricos”.
Parque de Artes Muzeon – I, Sailko / CC BY-AS
Aparentemente inafetada pela tendência ocidental, e com experiências falhas no tombamento de monumentos, a Rússia concentra-se em levantar novos tributos ao invés de lutar contra antigos ou tentar restaurá-los. Em 2017, uma estátua do Tenente Coronel Mikhail T. Kalashnikov, designer do rifle AK-47, foi erguida numa das vias mais movimentadas de Moscou; mosaicos da nova catedral das Forças Armadas mostram a figura de Joseph Stalin entre santos e heróis de guerra russos. Além disso, a tumba de Lênin e monumentos afins ainda possuem lugar de destaque por várias cidades da Rússia, enquanto gestos simbólicos enaltecendo a oposição do governo atual (como colocar flores no local do assassinato de Boris Nemtsov) são repreendidos.
Na opinião da pesquisadora do Centro de Direitos Humanos Memorial, Alexandra Polivanova, os eventos de 1991 foram incompletos. Polivanova e Higgins concordam que a Rússia nunca engajou num diálogo ativo sobre os crimes cometidos em seu passado e faltou denúncia a nível governamental e social, de maneira que a “descomunização nunca aconteceu”.
A russialização iniciada no pós-guerra parece ainda estar presente nas práticas do Kremlin, e embora agosto de 1991 tenha sido um marco na queda formal da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o fato de existirem bilionários russos dispostos a comprar estátuas que ferem sensibilidades de determinados povos é apenas mais uma prova de que derrubar monumentos não é uma vocalização eficaz das demandas (dentro ou fora da Rússia). A integridade histórica acaba por permanecer e nada garante que, dentro de alguns anos, o eco das vozes que hoje clamam pela remoção de estátuas apologéticas não será o silêncio.
Em 29 de maio de 2020, um desastre ecológico se abateu sobre a região de Krasnoyarski Krai, no norte da Rússia: um tanque de armazenamento de combustível na Usina Nuclear de Norilsk–Taimyr falhou, causando um…
Em abril deste ano (2020), a Organização para a Interdição das Armas Químicas (OIAC) publicou um relatório pioneiro, que apontou o governo de Bashar al-Assad como responsável por três ataques químicos ocorridos em 2017, na Síria. A OIAC recebeu novas atribuições em 2018 para investigar as ofensivas químicas no país, vez que a Rússia, alegadamente, bloqueava investigações independentes desses ataques. As conclusões do relatório comporiam a pauta da reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, realizada em 12/05/2020, a qual foi boicotada pela Federação Russa e pela China.
Cabe lembrar que a OIAC é responsável por salvaguardar a Convenção de Armas Químicas de 1997, e ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2013. Ao ser imbuída do poder de imputar responsabilidade sobre ataques químicos em 2018, suas atribuições foram questionadas por Pequim e Moscou, que as consideraram ilegítimas e propuseram que tais assuntos passassem pelo crivo do Conselho de Segurança da ONU. Em resposta, representantes dos Estados Unidos e do Reino Unido na Organização consideraram a posição dos governos citados uma “hipocrisia pungente”, nas palavras do enviado americano para a OIAC, Kenneth Ward.
Entre as conclusões apresentadas pelo relatório estavam evidências da culpabilidade de Damasco em investidas químicas contra a população síria utilizando bombas de gás sarin e cloro, entre 24 e 30 de março de 2017, que vitimaram cerca de 106 pessoas, incluindo crianças. Pesquisadores do Instituto Global de Política Pública de Berlim, em conjunto com parceiros sírios e internacionais compilaram cerca de 345 ataques substanciais pela Síria, e concluíram que 98% dos ataques foram pelas mãos de Bashar al-Assad e o resto foi imputado ao Estado Islâmico. Ainda que enfrentando tais acusações, a Federação Russa, principal aliada do regime sírio, defende o país parceiro sustentando que a Síria cessou seu programa de armas químicas, destruiu seu arsenal e parou de produzi-las.
A respeito da recusa em participar da videoconferência do Conselho de Segurança e em desafio ao relatório da OIAC, o embaixador Nebenzia esclareceu ainda que Moscou conduzirá investigação própria sobre o uso de armas químicas na guerra da Síria e que compartilhará os achados com o mundo, o que igualmente contradiz a ideia de investigação independente e imparcial. Ainda não se sabe se as próximas reuniões mensais da pasta contarão com a presença dos países de Putin e Xi Jinping. Sabe-se apenas que as potências (Euro)Asiáticas oferecem resistências que impugnam mesmo elementos factuais apresentados uma e outra vez, repetidamente.
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Fontes das Imagens:
Imagem 1 “Putin em videoconferência do Conselho Supremo da Eurásia” (Fonte):
O Presidente russo, Vladimir Putin. Ex-agente da inteligência soviética KGB, nascido em 1952, em Leningrado (agora, São Petersburgo), Vladimir Putin iniciou sua carreira à sombra de Boris Ieltsin, tornando-se Primeiro-Ministro da Rússia em 6 de agosto de 1999, com meros 1% de aprovação eleitoral. No mesmo ano, a renúncia de Ieltsin escalou Putin a Presidente Interino e, em 2000, foi oficialmente eleito Presidente da Federação Russa. Desde então, nunca deixou a linha de frente da política do país, tornando-se, “sem dúvida, o líder mundial de maior importância desde Winston Churchill”, na opinião do colunista Oliver Carroll, do “The Independent”.
Ranking do PIB” (Fonte – FMI via Bloomberg)
Pouco após assumir o poder, o sucessor de Ieltsin iniciou uma jornada que levaria a Rússia ao crescimento de 7% ao ano, nos sucessivos oito anos, através de investimentos no campo energético e de petróleo e da expansão da influência russa em territórios nos quais jazia esquecida, por exemplo: estreitando laços com a China; apoiando regimes de poder locais na Síria e Líbia; suprindo aparatos de defesa aérea para a Turquia; cerrando tratados sobre fornecimento de petróleo com a Arábia Saudita; aproximando-se da Alemanha, através do suprimento de energia e construção de gasodutos. Em 2012, o país chegou perto de alcançar o patamar de desenvolvimento de Portugal, e, no mesmo ano, atingiu o pico do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, alcançando oitava posição no ranking mundial.
Embora seu governo seja marcado por alterações no escopo das próprias políticas, Vladimir Putin é reconhecido, mesmo por críticos, por ter alcançado três objetivos: construir um forte Estado Russo, consolidar a Rússia como um poder global e manter-se intermitentemente no poder. No ano 2000, seu índice de aprovação era de 64%, saltando para 80% em 2008, após os 5 dias de conflito na Georgia. Contudo, durante seu termo como Primeiro-Ministro, sob à Presidência de Dmitri Medvedev (2008-2012), sua popularidade caiu novamente para 66% e manteve-se em baixa até o impasse com a Crimeia, em 2014, quando o ex-agente viu o ápice de sua renovada Presidência (eleito novamente em 2012), com quase 90% de aprovação.
Ora, a liderança de Putin não foi sempre linear. Gleb Pavlovsky, consultor político do Kremlin durante os primeiros 12 anos de liderança do atual mandatário presidencial da Rússia, afirma que “As pessoas pensam que se você tem um Presidente, você tem apenas uma política. Não é assim de todo. O primeiro termo de Putin não tem nada em comum com o corrente termo”. De fato, um dos primeiros passos de Vladimir Putin ao assumir a Presidência em 2000 foi em consonância com um novo realismo, projetando os interesses econômicos da Rússia, ao mesmo tempo em que reconhecia que sua imagem internacional não era positivamente elaborada, e introduzia uma política externa mais coerente, que conciliasse as visões dos Ocidentalistas (os quais defendem que a Rússia deve abrir-se para a cultura ocidental), Orientalistas (propugnam que a Rússia deve buscar mais diálogo com o oriente) e Nacionalistas.
Putin na Praça Vermelha, em Moscou, 2005
Naquele momento, essa nova vertente de fazer política fez o recém eleito Presidente cair nas graças do então presidente americano Bill Clinton, de modo que, ao se questionar o líder americano sobre a possibilidade de a Rússia juntar-se à OTAN algum dia, obteve-se a seguinte resposta: “Eu não me oponho”. Na época, acreditava-se que Putin seguiria os passos de Ieltsin e procederia com a “Ocidentalização” do país. Após oferecer suporte aos Estados Unidos em virtude do 11 de Setembro, por um breve período de tempo a relação entre EUA e Rússia estreitaram, mas as coisas tomaram um rumo diferente com a Invasão do Iraque e a revolução da Georgia (em 2003) e da Ucrânia (em 2004), que deu início a um “jogo de culpas” que segue até os dias atuais, com Estados Unidos e Rússia constantemente apontando como as políticas de cada um interfere nos assuntos domésticos do outro.
Embora a Federação Russa ainda não tenha alcançado Portugal (como Putin inicialmente almejava), o padrão de vida dos russos melhorou e a expectativa de vida aumentou de 64,9 anos, em 1999, para 72,8 anos, em 2018, e a inflação caiu na faixa de aproximadamente 40% para 4%, desde a assunção de Putin ao poder. São feitos prodigiosos, considerando que a economia global sofreu vertigens e a imagem da Rússia no mundo não foi estática. Mesmo com a corrente pandemia global do Covid-19, Vladimir Putin mantém-se uma figura pragmática e imponente, lidando com os impactos de maneira resiliente e garantindo que um possível futuro termo seja melhor que o anterior, nos conformes do legado que tem deixado durante seus 20 anos à frente da Federação Russa.
A Federação Russa e a União Europeia (UE) desenvolveram relações bilaterais fortes até 2014. De acordo com folhas fatuais do Parlamento Europeu, o Kremlin e Bruxelas trabalharam juntos em áreas como comércio, energia, pesquisa, cultura,…
Com um registro oficial
de mais de 145 mil infectados
e 4.900
mortes relacionadas ao vírus ao redor do mundo, sendo 3.173
fatalidades apenas na China*, o novo Coronavírus
(Covid-19/Sars-Cov-2) foi declarado
pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na terça-feira, 11
de março de 2020. Essa decisão possui firme respaldo na velocidade pela qual o
vírus se alastra, o fato de não estar, todavia, catalogado pela medicina e não
existir tratamento direcionado ao patógeno, apenas aos seus sintomas. Ao passo
que as nações adotam medidas de segurança para proteger as pessoas sob seu
jugo, a pátria-Mãe Rússia age com cautela e determinismo na luta contra o
Covid-19.
No maior país do mundo, os casos
reportados do novo Coronavírus são relativamente baixos, figurando 59
casos até 14 de março (2020) sem nenhuma fatalidade até então. Os impactos
da pandemia não se traduzem apenas em perdas humanas, mas, também, na economia
global e na diplomacia, que devem, idealmente, encontrar um ponto de
convergência entre as consequências da instabilidade monetária e da limitação
de mobilidade das pessoas, e a segurança nacional. Situações extremas requerem medidas
(ponderadamente) extremas, e desde o início de fevereiro o Kremlin restringiu
a entrada de cidadãos chineses em território nacional e cessou a atividade de
trens que conectam Moscou a Pequim. Em 20 de fevereiro (2020), a restrição
escalou para banimento, no mesmo dia em que o Ministro das Finanças, Anton
Siluanov, declarou
uma queda de US$ 15,68 milhões** por dia
(aproximadamente R$ 76.204.000,00) no comércio entre Rússia-China.
Tabela dos casos de Covid-19 na Rússia
No âmbito da prevenção e combate ao
Coronavírus no país, a Federação Russa vem tomando medidas como a checagem da
temperatura de passageiros em aviões e estações de metrô, o fechamento de
fronteiras com a China e instituição de patrulhas voluntárias de caráter
sanitário em regiões mais remotas do país. Contudo, a aplicabilidade destas
medidas está sendo questionada, uma vez que parecem direcionar-se a pessoas de
origem étnica chinesa. As patrulhas de Cossacos na cidade de Yekaterinburg
fornecem máscaras à população e apresentam conselhos médicos sobre como evitar
contrair o vírus. Mas, os conselhos vêm, por vezes, seguidos de comentários
peculiares, conforme reportado pela CBC
News: “Coloque isso antes de entrar (no mercado), pode haver
chineses ali” – diz
o patrulheiro Igor Gorbunov, denotando uma relação intrínseca entre o Covid-19
e os chineses enquanto povo.
Reunião do Presidente Russo com investidores – 11/03/2020
Após se indispor com o Riad por razões de
autopreservação, o Kremlin segue agindo seriamente no que tange à saúde da
população russa. Além das medidas acima citadas, o governo limitou a capacidade
de grandes reuniões para 5.000 pessoas em Moscou, recomendou aos residentes não
utilizarem o transporte público durante horários de pico e requereu às pessoas
retornando de zonas afetadas pelo Coronavírus que fiquem em quarentena por um
período mínimo de 14 dias. Os moscovitas que desrespeitarem a quarentena podem
ser presos por até cinco anos, e as autoridades contam com um sistema
de reconhecimento facial e CCTV para garantir que as ordens estão sendo
cumpridas e infratores da lei serão punidos. Como prova da efetividade do
sistema de vigilância russo, cerca de 100 estudantes chineses serão deportados
ao país de origem por violarem a quarentena, conforme reportado pelo Kommersant.
Além disso, de acordo com The
Daily Mail, autoridades da capital russa alocaram cerca de 92 milhões de
libras esterlinas*** (aprox. R$ 548.320.000,00) para a rápida construção de um
hospital em área remota, copiando movimentos da China na luta contra o
Coronavírus e o próprio Parlamento foi desinfetado, após um membro do Duma
deliberadamente quebrar a quarentena por “não compreender” os reais riscos da
doença. Ainda a Rússia suspendeu
a exportação de aparatos de prevenção epidemiológica como máscaras, luvas,
curativos e trajes completos de proteção.
Aos olhos externos, muitas das medidas
adotadas pela Rússia podem parecer drásticas. Alexander Saversky, um
especialista da Academia Russa de Ciências e presidente da Liga Patsientov dos
direitos dos pacientes considera que seu país está
fazendo bem em não “fomentar histeria”
e tomar ações mais do que demonstrar que as toma. A partir de ontem,
segunda-feira (16/03/2020), o
comparecimento na escola será facultativo, outra prova de que a Rússia está
agindo cautelosamente nas tentativas de conter o vírus, sem espalhar o pânico.
Apesar dos impactos negativos do
Coronavírus na esfera global, a Rússia possui relativamente poucos casos, e por
diversos motivos (dispersão demográfica, clima, entre outros). As respostas ágeis
à ameaça patogênica podem servir para projetar a imagem de Vladimir Putin como
responsável pelo baixo impacto do vírus na saúde pública russa, possivelmente auxiliando futuros projetos de sua carreira
política.
A Federação Russa tem
sido destaque na mídia internacional desde o impasse da Crimeia em 2014, por
muitos motivos. Contudo, em 2019, o país virou objeto de análise intelectual de
especialistas em áreas diversas como ciência, economia, tecnologia,
militarização e inteligência. Em meados de 2020, a mente que se considera que
engendra a exponencialidade russa no mundo, Vladimir Putin, tornou-se o centro
das atenções no palco político mundial ao ser o estopim da demissão voluntária
de todo o seu próprio gabinete presidencial.
Em vinte anos de governo, o ex-agente da
KGB foi visto como fonte de bravura e genialidade, sobretudo nas condições em
que assumiu após Gorbachev, com os conflitos da Chechênia (1999), onde atuou
primeiramente como líder da ofensiva e finalmente como apaziguador das
rebeliões em 2009. Em seu mandato, traçou relações diplomáticas positivas
com o Ocidente, integrou o G8 e foi recebido pessoalmente pela rainha Elizabeth
II da Inglaterra, um feito inédito para um líder russo desde 1874.
Apesar de todo esforço para tornar a
Rússia relevante no contexto geopolítico da primeira década do século XXI, a
Constituição não permitia a Putin assumir um terceiro mandato consecutivo na
Presidência do país. Para contornar a situação, em 2008, o atual Presidente da
Rússia ocupou posição de prestígio durante o tempo em que serviu como
Primeiro-Ministro, suscitando ideias
de que o então presidente Dimitri Medvedev
era mero aprendiz, quiçá títere de suas vontades e ambições. Em 2012, Putin
reassumiu seu posto de Presidente da Federação Russa e uma manobra peculiar
encenada no Discurso
do Estado da Nação de 2019 revelou que a vontade do ex-agente de permanecer
no controle geral do Estado é real e fundamentada.
Vladimir Putin em Discurso à Assembleia Federal
Em seu discurso, Vladimir Putin abordou
assuntos como a demografia decrescente na Rússia e a necessidade de inverter
essa situação, falou sobre a possível potencialização do Conselho de Estado (State Council –
órgão interno criado por Putin em 1991 para aconselhar o Chefe de Governo), dos
requisitos para ser elegível à Presidência e ao Parlamento (conhecido como
State Duma), inclusive colocando em xeque questões de dupla-cidadania. Mais
precisamente, uma série de mudanças em termos de balanço de poder foram
expostas pelo Presidente. O site The
Moscow Times elencou algumas das propostas de Emendas Constitucionais, a
citar, entre outras:
Edição Presidencial da Constituição Russa
1.
Restrições aos candidatos
presidenciais, incluindo o banimento de dupla-cidadania ou residência
permanente no exterior, e requerer que tenham vivido na Rússia por 25 anos;
2.
Priorizar a Constituição Russa acima
dos Tratados Internacionais;
3.
Tornar o Conselho de Estado um órgão
oficial de governança;
4.
Proibir o Legislativo, Ministros de
Gabinete, Juízes e oficiais federais de possuírem dupla-cidadania ou residência
fora do país;
5.
Garantir ao Legislativo autoridade para
apontar o Primeiro-Ministro, Deputados e Gabinetes e barrar o Presidente de
rejeitar essas nominações;
6.
Garantir aos Senadores a autoridade
para consultar o Presidente no apontamento de chefes das agências de segurança;
7.
Garantir aos Senadores a capacidade de
rejeitar Juízes Constitucionais e da Suprema Corte com base em proposta
presidencial.
O chefe do Serviço de Impostos do
governo, Mikhail Mishustin, foi
apontado por Putin para substituir Medvedev. Apesar de desconhecido do público,
Mishustin é um popular tecnocrata em seu meio e famoso por cumprir bem
sua função de cobrar impostos, o que pode ser o primeiro passo para conciliar a
estabilidade de Putin no poder e alavancar a estagnada economia russa.
Há vinte
anos Vladimir Putin está atrelado à imagem da Rússia, e não há sinais de que um
novo proeminente líder surgirá tão cedo no país.
A Inteligência Russa, reconhecida pela sua destreza, sutileza e paradoxal dureza, goza de proteção política e status privilegiado de sentinela do Kremlin. Com aparatos herdados da outrora União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e um sistema…