Na última semana, o Patriarca Maronita da Antióquia, Bishara al-Rai, expressou interesse em dialogar com o grupo terrorista Estado Islâmico (IS,na sigla em inglês)*, para tentar resolver a situação de cerca de 10.000 cristãos, expulsos de Mosul, segunda maior cidade do Iraque[1].
Al-Rai pediu que muçulmanos moderados condenem as ações do IS e apelou para a humanidade do grupo jihadista, que há pouco mais de uma semana deu quatro opções para os católicos: pagar impostos religiosos; se converter ao Islã; sair da cidade ou morrer. “Humanidade é a única coisa que compartilhamos com vocês. Venham, vamos conversar e chegar a um entendimento nestes termos. Vocês se apoiam na linguagem de armas, terrorismo, violência e influência, mas nós confiamos na linguagem do diálogo, entendimento e respeito por outros. O que os cristãos em Mosul e no Iraque fizeram para merecerem ser tratados com tanto ódio e abuso?”[2], questionou al-Rai.
A cidade de Mosulfoi tomada pelo IS em junho e, desde então, o grupo radical sunita instaurou na região um Califado Islâmico que segue as leis da Sharia. O objetivo é unificar as terras muçulmanas sob um único Imam, acabando com as fronteiras idealizadas pelo Acordo de Sykes-Picot, de 1916. Sob este estandarte todos os povos que não compartilham da mesma visão, sejam cristãos, muçulmanos xiitas ou de outras religiões devem ser expulsos ou mortos[3].
A perseguição feita pelo IS aos Cristãos não é novidade. Na Síria, o grupo já queimou igrejas, sequestrou, matou religiosos e ocupou cidades cristãs. Já ocupando cerca de um terço do território sírio, e com os olhos do mundo voltados para o conflito árabe-israelense, o grupo está, cada vez mais, mostrando suas garras no Iraque. Segundo o povo local, para identificar os infiéis o IS pintou em vermelho nas casas de Mosula letra N, que significa Nasrani, ou Cristão,em árabe[4], e confiscou as propriedades.
A decisão veio depois que os cristãos decidiram não comparecer a uma reunião arranjada pelo IS para discutir seu status na cidade apenas alguns dias antes[5]. Após o ultimato, a maior parte dos alvos, se não todos, fugiu para as Planícies de Nineveh, para o Curdistão, Síria, Líbano e Jordânia, tornando este o maior deslocamento forçado na região desde que o Império Otomano expulsou os armênios da Turquia, há 100 anos[6].
No entanto, alguns dias após a expulsão, algumas vozes de protesto começaram a ser ouvidas. Grafites apareceram em casas cristãs usando o símbolo vermelho marcado pelo IS para escrever “Somos todos cristãos”[7]. Diversos usuários de redes sociais também mostraram apoio à minoria trocando suas imagens de perfil por uma letra N, em amarelo, sob um fundo preto[8].
Na semana passada, o Patriarca Ortodoxo da Síria e de todo o Oriente, Aphrem II, organizou em Atchanah, no Líbano, uma reunião eclesiástica com representantes de cinco igrejas de Mosul para discutir o que chamou de um “crime de guerra”[9]. O Patriarca afirmou que pretende enviar uma queixa formal à ONU, mas pediu que a comunidade cristã não deposite todas as suas fichas nos países ocidentais, já que, nos últimos anos, eles falharam em proteger os cristãos ou mesmo, na presente situação, em se pronunciar contra o acontecido[10].
A Associação de Estudiosos Muçulmanos também condenou os deslocamentos forçados considerando ser “um ato de injustiça contra pessoas inocentes e um desvio do caminho recomendado pelo profeta do Islam e os estudiosos muçulmanos quanto ao tratamento oferecido aos não-muçulmanos”[11].
Segundo depoimentos publicados pelo jornal Asharq Al-Awsat, muitos cristãos foram denunciados por seus próprios vizinhos e roubados, tanto em casa quanto em postos de inspeção do IS em estradas, e, portanto, afirmam que não voltarão para uma cidade que os traiu, mesmo que a ordem seja reestabelecida. “Como podemos voltar para uma sociedade que nos entregou ao ISIS?”, pergunta Sara Youssef, cristã refugiada no Curdistão[12].
Com as perseguições, torturas, sequestros e assassinatos de minorias[13], no entanto, não é só um povo que é prejudicado e amedrontado, mas toda a cultura de uma cidade que conta com quase 2.000 anos de presença cristã e é colocada em perigo[14]. A história é a mesma para outras minorias que coexistiam em Mosul, como os Yazidis e osMandeístas, religiões também perseguidas na cidade. Sem contar que os anos de guerra que os Estados Unidos travaram contra Saddam Hussein para reorganizar o país e instituir um bom governo podem ser considerados um desperdício diante do caos reinante e subsequente enfraquecimento do poder central[15].
O apelo do patriarca Libanês resiste até o momento como um grito distante de socorro ainda não ouvido pelo resto do mundo. E o medo de al-Rai não é infundado, pois, se não for escutado, o risco é que o evento passe ao esquecimento, como tantos outros, e seja repetido, não só em Mosul, mas em outras cidades do Iraque, da Síria e do mundo.
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* Antes chamado de Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS, na sigla em inglês).
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Imagem “A foto com o N vermelho em árabe” (Fonte – Twitter)
http://www.breitbart.com/Big-Peace/2014/07/21/We-are-All-Christians-Anti-ISIS-Graffiti-Appears-in-Mosul-after-Terrorists-Expel-Christians
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Fontes consultadas:
[1] Ver:
http://english.al-akhbar.com/content/christian-leaders-express-shock-world-silence-after-isis-expels-iraqi-christians
[2] Ver:
http://www.dailystar.com.lb/News/Lebanon-News/2014/Jul-24/264950-rai-calls-for-dialogue-with-isis.ashx#axzz38ZbPfTXT
[3] Ver:
https://azelin.files.wordpress.com/2014/06/islamic-state-of-iraq-and-al-shc481m-e2809cislamic-state-report-422.pdf
[4] Ver:
http://theorthodoxchurch.info/blog/news/2014/07/in-lebanon-a-mark-of-solidarity-with-mosul-christians/
[5] Ver:
http://www.nytimes.com/2014/07/19/world/middleeast/isis-forces-last-iraqi-christians-to-flee-mosul.html?_r=0
[6] Ver:
http://thinkprogress.org/world/2014/07/24/3463654/isis-iraq-christians/
[7] Ver:
http://www.breitbart.com/Big-Peace/2014/07/21/We-are-All-Christians-Anti-ISIS-Graffiti-Appears-in-Mosul-after-Terrorists-Expel-Christians
[8] Ver:
http://theorthodoxchurch.info/blog/news/2014/07/in-lebanon-a-mark-of-solidarity-with-mosul-christians/
[9] Ver:
http://english.al-akhbar.com/content/christian-leaders-express-shock-world-silence-after-isis-expels-iraqi-christians
[10] Ver:
http://thinkprogress.org/world/2014/07/24/3463654/isis-iraq-christians/
[11] Ver:
https://www.middleeastmonitor.com/news/middle-east/12942-muslim-scholars-condemn-deportation-of-christians-from-mosul
[12] Ver:
http://www.aawsat.net/2014/07/article55334657
[13] Ver:
http://www.hrw.org/news/2014/07/19/iraq-isis-abducting-killing-expelling-minorities
[14] Ver:
http://www.wnd.com/2014/07/christianity-as-we-know-it-in-iraq-is-being-wiped-out/
[15] Ver:
http://www.foreignpolicy.com/articles/2014/06/18/mosuls_christians_say_goodbye
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Ver também:
http://carnegieeurope.eu/2014/07/10/do-not-belittle-islamic-state/hfj6