Conforme vem sendo disseminado na mídia mundial, a comunidade internacional está apreensiva e também confusa acerca das conclusões sobre o movimento no Egito que interrompeu o governo de Mohamed Morsi, evitando inclusive o uso do termo “Golpe de Estado”[1], apesar de todos estarem solicitando ora que seja instaurado prontamente um Governo civil, ora que sejam convocadas eleições imediatas para garantir o retorno do “Regime Democrático”, desconsiderando a posse do chefe civil da “Suprema Corte Constitucional”, Adli Mansour, como “Presidente Interino”, com a tarefa de organizar a retomada da Democracia.
O receio é que, considerando a situação como um “Golpe de Estado”, os países do ocidente sejam obrigados a cancelar auxílios e a isolar o Egito, gerando a perda de controle no país que, por sua vez, produziria um caos interno capaz de resultar numa “Guerra Civil”, tanto que este receio foi uma das justificativas para a prisão domiciliar de Morsi, pois, segundo afirmaram os militares, ele estaria insuflando a população a se rebelar contra os militares, algo que resultaria num embate armado de proporções incontroláveis. Os EUA, por exemplo, caso assim considerem, serão obrigados a cancelar qualquer ajudar militar, pois sua legislação proíbe auxílios para países onde ocorrem “Golpes de Estado”[1].
Até o momento, o Presidente egípcio foi afastado, a Constituição suspensa e emitidos mais de 300 mandados de prisão a membros do seu Partido (representante da “Irmandade Muçulmana”) que estivera no poder durante o curto “Governo Morsi” e já ocorrem embates entre os setores da população, tendo resultado em várias mortes.
Conforme anunciado, o Exército se apresentou e decidiu pelo afastamento do mandatário após identificar a perda da credibilidade do governante perante a população e pelo julgamento de que o Mandatário estava comprometendo a configuração laica do Estado Egípcio que tem nas “Forças Armadas” seu principal fiador.
Observadores internacionais apontam que esta é uma situação perigosa da perspectiva democrática, pois tenta legitimar a quebra de uma situação constitucional, dando a um segmento não político o poder de interpretar a situação social e se sobrepor as demais instituições em função de suas avaliações, somado ainda à capacidade bélica que lhe é inerente.
No entanto, também apontam que há um amplo espaço para interpretações, algo que piora a situação e traz mais riscos para a Democracia, pela possibilidade de se tentar legitimar movimentos armados que rompam com a ordem constitucional.
Mas, lembram em suas avaliações que, após Morsi assumir o poder, o Egito mostrou a complexidade de sua reconstrução, bem como a dificuldade para a instalação de instituições democráticas que poderiam reorganizar a sociedade preservando os direitos de todos os segmentos sociais. Segundo apontam, o Presidente foi eleito com 51,7%[2] dos votos, devido, principalmente, a rápida articulação da “Irmandade Muçulmana” que já estava organizada por todos o país e apresentou o seu candidato.
No entanto, após eleito, este viu-se obrigado a lidar com o a estrutura das “Forças Armadas”, que, mesmo tendo sido a fiadora de Hosni Mubark, afastou-se do antigo líder e, com isso, evitou ser repelida do poder, da mesma forma que preservou sua posição e unidade, apesar de algumas defecções.
Alguns líderes militares foram afastados imediatamente por Morsi, acreditando o Presidente que a substituição da “Velha Guarda” lhe daria controle sobre instituição, tanto que levou para aparelho militar chefes mais afinados com a linha islâmica do Irmandade, algo que garantiria o pilar armado de sustentação do seu grupo no poder.
Durante este período, houve eleições para a montagem de uma “Assembléia Constituinte” amplamente dominada pela Irmandade. Segundo foi disseminado na mídia internacional, isso ocorreu, principalmente, graças à desorganização dos outros amplos setores sociais, bem como as recusas desses setores em participar de etapas do processo constituinte. Ao ver o resultado da Constituinte, eles resolveram então levantar para a sociedade que a Constituição não era legítima, já que desconsiderava os amplos segmentos sociais e estava islamizando o Estado, significando a morte tanto do Estado laico, quanto da Democracia, por impedir a expressão das demais parcelas da sociedade e a preservação dos direitos das minorias.
Ao mesmo tempo em que ocorreram as manifestações dos opositores e Morsi fez a reforma das lideranças militares, este concedeu a si próprio amplos poderes para garantir a implantação da nova Constituição e, diante do crescimento das mobilizações contrárias a ela, decretou que as “Forças Armadas” deveriam proteger as Instituições nacionais e os postos eleitorais até 15 de dezembro do ano passado (2012), quando um Referendo deveria autorizar a sua promulgação.
A situação foi considerada pela população como a imposição de uma “Lei Marcial”, já que Morsi considerava que as mudanças feitas nos postos e lideranças militares estava lhe dando o controle da tropa e, por isso, capacidade de implantar medidas de emergência sobre a sociedade, enfrentando quaisquer contestações, o que acabou se mostrando uma medida que iria se voltar contra ele, pois, se os militares retornaram aos quartéis depois de aprovada a Constituição, detiveram uma autorização legal para se sobrepor a agentes desestabilizadores para “Proteger as Instituições”.
Um exemplo é que novamente foram convocados para controlar embates entre apoiadores do Governo e segmentos da oposição (secularistas, leigos e membros da “Igreja Copta”) na “Região do Suez” quando houve mais de 50 mortos e os militares, tendo percebido a proliferação da desordem social, advertiram para uma possível crise na estrutura do Estado, com perda da legitimidade do Governo, podendo resultar no que o general Abdul Fattah al-Sisi (o chefe militar que depôs o Presidente) considerou como uma situação capaz de “levar a um colapso do Estado”[3].
Neste momento, o General, justificando o afastamento de Morsi, afirmou que o povo clamou por ajuda dos militares e estes “não podiam permanecer em silêncio”[2] que haviam despendido “grandes esforços”[3] para garantir a ordem, mas Morsi não havia respondido “às demandas das massas”[3], por isso, “os participantes do encontro (de vários segmentos sociais com os militares, no dia 3 de julho) concordaram com o caminho traçado para o futuro, que inclui os passos iniciais para alcançar a construção de uma sociedade egípcia coesa e que não exclui ninguém e que põe fim ao estado de tensão e divisão”[3],
Além disso, as críticas contra o Governo cresceram no país principalmente devido a crise econômica que vem se desenvolvendo sem que haja um projeto eficaz de restauração da economia, apesar do auxílio do “Banco Mundial”, de, aproximadamente, 4,7 bilhões de dólares que estavam destinados principalmente à segurança social, os quais, até o presente momento, foi informado que não serão suspensos, mas foram pedidos que eleições sejam realizadas o mais breve possível para que ocorra o retorno ao processo democrático. Complementar as essas considerações, críticas rígidas também foram feitas em relação à ausência de propostas claras de restauração da segurança interna, com grande disseminação da violência e perda de controle em algumas regiões.
O presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, declarou: “Pedimos a todos que permaneçam em calma, que dialoguem e que se avance o mais rápido possível para eleições reais. (…). Esperamos poder continuar com nossos programas que proporcionam serviços e apoio essencial para as pessoas mais pobres do Egito” [4].
Analista estão demonstrando receio com a situação, vendo-a como perigosa para a região, principalmente pela possibilidade de ser um estímulo para que novos movimentos armados se disseminem pelo “Oriente Médio” e haja uma perda na credibilidade das instituições políticas ao ponto de as populações resolverem organizar-se em grupos armados ou, no caso específico do Egito que haja um processo de desforra, já que Morsi foi eleito por um processo legitimado internacionalmente.
Pior, há o receio de que os muçulmanos desacreditem no processo democrático como forma de ascender ao poder e se dediquem exclusivamente à via armada e revolucionária, estimulando a violência islâmica na região, sendo provável também que ela se dissemine internacionalmente.
Um exemplo já está se dando na Tunísia, onde os opositores do “Partido Nidaa Tunes”, do ex-primeiro-ministro Beji Caid Esebsi, solicitaram que o Governo dos islamitas Ennahda fosse demitido e substituído por outro que corporificasse uma ideia de salvação nacional[5].
O porta-voz da “Irmandade Muçulmana para o Reino Unido”, corroborando esta percepção que começa a se disseminar, afirmou: “Há um temor em relação ao futuro. (…). Um dos maiores temores (na Irmandade Muçulmana) é de que as pessoas queiram fazer justiça pelas próprias mãos. Milhões votaram por Morsi. Nós pensamos que isso era democracia. Mas agora estamos em uma situação muito perigosa”[6].
Esta opinião é compartilhada pela consultoria “Stratfor Global Intelligence”, a qual prevê que “A saída de Morsi levará integrantes dos grupos ultraconservadores salafistas a largar a política tradicional e optar pelo conflito armado. (…). A derrubada de governo islamista moderado no Egito reduz os esforços internacionais para trazer islamistas radicais para a política tradicional no resto do mundo árabe e muçulmano. Em último caso, dentro do contexto do Egito, a saída de Morsi abre um precedente perigoso uma vez que futuros presidentes podem ser removidos pelos militares quando houver forte pressão popular. Isso não contribui para a estabilidade futura do Egito”[6].
As opiniões confluem para a conclusão de que a situação ficará mais tensa, pois os membros da Irmandade não aceitam a deposição de seu líder e há probabilidade de que se dediquem ao recurso bélico, além disso, corre-se o risco de que as “Forças Armadas” possam ser identificadas como portadoras de um novo “Regime Autoritário”.
No entanto, há indicações de que elas não desejam prolongar a situação e querem um Governo civil, pois a posse do chefe civil “Suprema Corte Constitucional” se deu para evitar os erros anteriores em que militares assumiram o poder e lhe foi dado a missão de organizar novas eleições, bem como uma nova Constituição, dentro de uma estratégia de resgate da unidade do país.
Os críticos, contudo, levantam dois pontos que tem grande probabilidade de levar ao fracasso desse planejamento: (1) a dificuldade em controlar a crise econômica e (2) a baixa probabilidade de convencer a ampla parcela da população que é simpática ou partidária da “Irmandade Muçulmana” de se inserir nesta nova realidade, acreditando os observadores que ela não aceitará a perda do poder que foi conquistado por processo que recebeu apoio mundial, mesmo que, posteriormente, tenha causado nos analistas internacionais a certeza de que ela estava construindo um regime autoritário utilizando para tanto do respaldo dado pelos defensores da Democracia.
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Fontes consultadas:
[1] Ver:
http://www.portugues.rfi.fr/geral/20130704-potencias-evitam-termo-golpe-de-estado-para-situacao-egipcia
[2] Ver:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/07/130703_golpe_egito_analise_lk.shtml
[3] Ver:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/07/130704_egito_perguntas_respostas_bg.shtml
[4] Ver:
http://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2013/07/04/interna_internacional,417308/banco-mundial-espera-manter-emprestimos-ao-egito-e-pede-eleicoes.shtml
Ver também:
http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/banco-mundial-espera-manter-emprestimos-ao-egito-e-eleicoes
[5] Ver:
http://noticias.terra.com.br/mundo/africa/apos-golpe-no-egito-oposicao-da-tunisia-pede-dissolucao-do-governo,5bf8414baaaaf310VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html
[6] Ver:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/07/130704_democracia_golpe_egito_gm.shtml
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Ver ainda:
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-07-05/embaixador-do-egito-nega-golpe-de-estado-no-pais
Ver ainda:
http://www.noticiasbr.com.br/presidente-interino-prestou-juramento-no-egito-112094.html
Ver ainda:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/07/130704_egito_revolucao_pai.shtml
Ver ainda:
http://portuguese.cri.cn/1721/2013/07/04/1s169126.htm
Ver ainda:
http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=3304723&seccao=M%E9dio%20Oriente
Ver ainda:
http://br.reuters.com/article/worldNews/idBRSPE96302L20130704