A questão migratória voltou a ocupar posição central na mídia internacional nessa semana, à medida que mais e mais imigrantes, em sua maioria vindos do Norte da África e do Oriente Médio, chegam em solo europeu. Em resposta a intensa comoção frente às inúmeras mortes ocorridas, ministros de relações exteriores europeus se reuniram na última sexta-feira (4 de setembro) para discutir soluções a essa questão emergente[1].
Essa onda migratória, a maior desde o final da Segunda Guerra Mundial, traz à luz como a acentuada desigualdade econômica entre as nações desenvolvidas e os países africanos e árabes é capaz de sustentar fenômenos sociais como esse. Com as vidas em risco por causa de guerras e de péssimas condições de vida, imigrantes árabes e africanos não veem outra alternativa senão juntar alguns de seus pertences e rumar ao velho continente.
Entretanto, no caso da África, em específico, a crescente desigualdade entre os próprios países africanos também estrutura uma onda migratória intracontinental. Países como Angola, África do Sul, Etiópia, Gana e Nigéria, que presenciaram significativo crescimento econômico nos últimos anos, tornam-se o destino de milhares de africanos advindos de nações que sofrem com guerras civis e crises econômicas.
No caso angolano, por exemplo, o país tornou-se um atrativo destino a milhares de congoleses, que rumam à Província de Cabinda, e de cidadãos da República Democrática do Congo (RDC), que entram no país pela região norte e leste. As precárias condições de vida na RDC se faz visível no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado anualmente pela Organização das Nações Unidas (ONU): em 2013, este país ocupava a penúltima posição, a frente somente do Niger[2].
Segundo o Comandante Provincial de Angola, o comissário Manuel Gouveia, além da extensa fronteira com a RDC, a principal dificuldade em conter o fluxo de imigrantes ilegais está na intensa existência de “laços históricos, culturais, relacionais e até mesmo familiares que unem os dois povos”[3]. Em outras palavras, presencia-se uma crescente inserção da população congolesa em Angola, o que aumenta a rejeição popular contra medidas legais de combate à imigração.
No que diz respeito a imigração ilegal à África do Sul, o Zimbábue apresenta-se como o principal local de origem dos imigrantes. Em um crítica situação hiperinflacionária, a economia deste país e o seu mercado de trabalho estão totalmente desaquecidos, motivando o deslocamento de muitos rumo ao vizinho mais ao sul. Soma-se a esse cenário a manutenção do restrito e longínquo governo de Mugabe, o qual dificulta que clamores e reivindicações sociais sejam incluídas na agenda política.
A ampla maioria dos imigrantes vindos do Zimbábue entra pela província de Lipopo, no norte da África do Sul, em direção à cidade fronteiriça de Musina. Ali, os imigrantes normalmente dependem da colaboração dos malaishas – sul-africanos que prometem cidadania, facilidades e trabalho aos imigrantes[4]. Porém, há diversos casos relatados à Organização Internacional para a Migração de abusos sexuais e exploração do trabalho por parte dos malaishas sob os imigrantes[4].
Em relação a Etiópia, o país aparece como um porto seguro para investimentos estrangeiros diretos e capital internacional, em meio ao conturbado Chifre da África. Rodeado por países como Eritreia e Somália, assolados por profundas guerras civis, a Etiópia é destino de milhares de imigrantes que buscam empregos no boom econômico vivido pelo país nos últimos anos[5].
Além disso, o expressivo crescimento econômico dos últimos anos tem incentivado um retorno de imigrantes etiopianos ao país de origem. Segundo dados da ONU, desde 1991, mais de um milhão de etiopianos retornaram à casa[6].
Por fim, no que diz respeito à África Ocidental, Nigéria e Gana aparecem como as principais economias e destino de imigrantes, cuja principal origem são os países do norte da África, como o Mali, o Chade e o Niger, bem como de nações adjacentes, como a Libéria, Serra Leoa, Guiné e Burkina Faso[7]. Tais países localizam-se nas últimas 10 posições no IDH calculado em 2013[2], o que ilustra as precárias condições econômicas e sociais nessas localidades. Soma-se também que crises de saúde pública cíclicas, como ebola – o qual teve países como a Libéria, Serra Leoa e Guiné como os mais afetados –, acentuam a onda migratória à Gana e à Nigéria.
Acima de tudo, condições econômicas, políticas e sociais díspares demonstram ser a principal fonte de intensificação dos processos migratórios. Recentemente, a publicação de diversos estudos, como o livro “Capital no Século XXI”, de Thomas Piketty, e a realização de conferências públicas e acadêmicas relacionadas a desigualdade demonstram como o tema tende a caracterizar adequadamente a conjuntura econômica contemporânea. A migração intra e inter continental pode ser posicionada como o principal fenômeno social consequente desse acelerado processo de desigualdade.
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Imagem (Fonte – Daily Stormer):
http://www.dailystormer.com/europe-has-been-belatedly-discovering-how-unbelievably-stupid-it-was/
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Fontes Consultadas:
[1] Ver “Estado de S. Paulo”:
http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,onu-pede-que-europa-receba-200-mil-refugiados,1756349
[2] Ver “Organização das Nações Unidas”:
http://hdr.undp.org/en/content/table-1-human-development-index-and-its-components
[3] Ver “Jornal de Angola”:
http://jornaldeangola.sapo.ao/entrevista/fronteira_com_a_rdc_e_extensa_e_complexa
[4] Ver “The Guardian”:
http://www.theguardian.com/global-development/2014/jan/13/zimbabwe-migration-south-africa-exploitation
[5] Ver “Nations Encyclopedia”:
http://www.nationsencyclopedia.com/Africa/Ethiopia-MIGRATION.html
[6] Ver “Migration Policy Institute”:
http://www.migrationpolicy.org/country-resource/ethiopia
[7] Ver “International Organization for Migration”:
http://publications.iom.int/bookstore/index.php?main_page=product_info&cPath=42&products_id=574