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Em momentos de crises, tais como os vividos na Europa desde 2008 até 2016, grandes transformações ocorrem nas mais diversas esferas do poder. Sejam tais transformações políticas, sociais, tecnológicas ou ideológicas, o certo é que a crise funciona como um gatilho que impulsiona profundas mudanças no cenário no qual ela se desenvolve, havendo sempre um antes e um depois, pois os atores implicados são forçados a buscar uma resposta e muitas vezes são levados a inovar ou a avaliar novas opções.
A crise na Europa resultou em uma série de mudanças no cenário local, assim como na política externa europeia. O continente, que durante muito tempo teve sua economia direcionada para o eixo do Atlântico, aumentou suas parcerias com os países asiáticos, principalmente com a China e Índia, fortalecendo o eixo asiático.

A China, por outro lado, soube entender a situação europeia e a fragilidade econômica de diversos países da Europa, para, pouco a pouco, se inserir no mercado europeu, principalmente mediante a compra de empresas consagradas, bem como participando de projetos públicos e fazendo novas parcerias. Assim, não é de estranhar que foram os países do Mediterrâneo a principal porta de entrada da China na economia europeia, mediante a aquisição de marcas como FENDI, PIRELLI, UCI Odeon, Alcatel Mobile, Granada FC, Espanyol F.C., Atlético de Madrid, Inter de Milano etc., mostrando que os investimentos chineses são diversificados e massivos.
Como reflexo dessa inserção da China no mercado europeu, o comércio e as comunicações entre ambas regiões aumentaram nos últimos anos. Atualmente, o chinês é uma das línguas mais estudas na Europa, com um aumento anual de 20%, além disso, o número de alunos de intercâmbio também aumentou e a China, após os próprios países europeus e os EUA, já é o maior destino de intercâmbio da Europa, de forma que toda as grandes capitais europeias já possuem voos diretos para diversas cidades chinesas, além de conexão com os principais portos e até mesmo conexão por trem.

A primeira linha ferroviária entre um país europeu e a China é a que faz o trajeto Madrid- Yiwu, de aproximadamente 13.052 km, em 30 dias, sendo, atualmente, o maior trajeto percorrido do mundo. A conexão por trem entre a China e a Europa reduz o tempo de viagem em aproximadamente 10 dias, porém conta com uma série de dificuldades, tais como a diferença da bitola* entre os países, as condições climáticas da Ásia Central e a burocracia dos Estados que não estão inseridos em Acordos Regionais ou Acordos Bilaterais. Ainda assim, o Governo chinês aposta na viabilidade do transporte ferroviário e novas linhas já estão em funcionamento, além de outras que vem sendo planejadas.
Em janeiro de 2017 partiu o primeiro trem que une a cidade de Yiwu a Londres, percorrendo mais de 18.000 km, em apenas 18 dias, alcançando o mercado britânico em plena saída da União Europeia e consolidando a presença da China em um mercado historicamente ligado a influência americana.
Outras conexões, tais como Milão, Duisburg e Moscou, formam uma teia chinesa que muitos já consideram a Nova Rota de Seda, pela qual a China controlará o intercâmbio de produtos entre os mercados, a tempo de garantir o suprimento do seu crescente mercado interno. A Europa se beneficia com a entrada de investimento estrangeiro direto, mas perde o controle de suas multinacionais e meios de produção nas mãos das companhias asiáticas, pois até mesmo gigantes como a IBM ao a Volvo já foram alvos da expansão comercial chinesa e do seu ímpeto por investir em marcas já consagradas.
Frente a esse processo, podemos assinalar 3 pontos importantes:
1º – O papel das crises na reconfiguração e na transformação dos Estados;
2º – O processo de expansão comercial chinesa registrado em todos os continentes;
3º – A nova etapa da economia global, onde a financeirização do capital gera distorções entre os proprietários dos meios de produção e os que manejam o capital nos centros de poder.

Além desses três pontos, é importante ressaltar que o processo de expansão do capital é um dos principais vetores da globalização e que, sem dúvidas, isso gera um dos maiores paradigmas que enfrentam os países europeus, já que, internamente, a Europa discute os efeitos da integração regional e da globalização, mas, externamente, ela precisa se aproximar de novos mercados e manter sua participação nas cadeias produtivas e fluxos financeiros mundiais.
Ainda que muitos falam de uma Nova Rota da Seda, o certo é que a China está tecendo uma grande rede de comunicações ao redor do mundo, com investimentos na América Latina, Europa, África e Ásia. Como observadores tem apontado, a Europa, mesmo com todos os conflitos e com seu crescente discurso nacionalista, precisa mais do que nunca de outros países e de novas opções, sendo talvez hora de olhar para o Oriente, abandonando seu paternalismo histórico para com o Ocidente.
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* Bitola é nome usado para se referir a largura que tem a distância entre as faces interiores das cabeças de dois trilhos (pelo português brasileiro) ou carris (pelo português de Portugal) em uma via férrea.
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Imagem 1 “Mapa indicando localização da União Europeia e da República Popular da China” (Fonte):
https://en.wikipedia.org/wiki/China–European_Union_relations
Imagem 2 “Mapa da Europa, mostrando as fronteiras geográficas mais utilizadas” (Fonte):
https://pt.wikipedia.org/wiki/Europa
Imagem 3 “A Rota da Seda Ferroviária” (Fonte):
https://logisticagrupob.wordpress.com
Imagem 4 “O centro financeiro de Tianjin” (Fonte):
https://pt.wikipedia.org/wiki/China
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