No dia 8 de junho de 2018, Jean-Pierre Bemba Gombo, líder do Movimento de Libertação do Congo (MLC), foi absolvido, por decisão majoritária, pelo Juízo de Recursos (“Appeals Chamber”) do Tribunal Penal Internacional (TPI) no caso “O Procurador v. Jean-Pierre Bemba Gombo (caso principal)”.


Pôster anunciando um protesto em Bruxelas em apoio de Bemba logo após sua prisão
O ex-vice-presidente da República Democrática do Congo (RDC) havia sido condenado por supostos crimes contra a humanidade e crimes de guerra, alegadamente praticados durante o período de 26 de outubro de 2002 a 15 de março de 2003 na República Centro Africana (RCA). O Juízo acolheu o recurso interposto em 2016, contra a sentença unânime do Juízo de Julgamento em Primeira Instância III (“ICC Trial Chamber III”).
O sumário da decisão foi lido pela Juíza Presidente Christine Van den Wyngaert durante a audiência. Os Juízes Sanji Mmasenono Monageng e Piotr Hofmański apresentaram, em separado, seus votos vencidos, justificando sua dissidência.
Segundo a opinião majoritária do Juízo de Recursos, a decisão proferida pelo Juízo de Julgamento em Primeira Instância (“Trial Chamber III”) errou em duas questões importantes:
1- Condenou erroneamente o Senhor Bemba por atos criminais específicos que se encontravam fora do âmbito das acusações tal como confirmadas;
2- Ao apreciar se o Senhor Bemba tomou todas as medidas necessárias e razoáveis a fim de prevenir, reprimir ou punir a prática, por seus subordinados, de outros crimes no âmbito do caso, o Juízo de Julgamento em Primeira Instância III (“Trial Chamber III”) cometeu sérios erros. Especificamente, o Juízo errou em seu exame da motivação do Senhor Bemba e sobre as medidas que ele poderia ter tomado em face das limitações que ele enfrentou ao investigar e processar crimes como um comandante remoto que envia tropas a um país estrangeiro; se ele fez esforços em reportar as alegações de crimes às autoridades da República Centro Africana; e se ele limitou intencionalmente o mandato de comissões e inquéritos que ele estabeleceu. Ademais, na visão da maioria do Juízo de Recurso, houve uma aparente discrepância entre o número limitado de crimes no âmbito do caso, pelos quais o Senhor Bemba foi considerado responsável, e a apreciação do Juízo de Julgamento em Primeira Instância sobre quais medidas o Senhor Bemba deveria ter tomado.
Assim, entendeu-se que o Juízo de Primeira Instância III errou, pois não foram cumpridos o Artigo 74(2)* e o Artigo 61(9)** do Estatuto de Roma, bem como a regulação 52(b) do Regulamento da Corte. Outrossim, em relação à limitação da qual Bemba possuía em investigar os crimes cometidos na RCA e conduzir investigações, por dificuldades logísticas. Segundo a Câmara, foi ignorado que o MLC dependia de cooperação de autoridades da CAR e o fato de que o réu havia enviado uma carta a estas.
Baseado nessas conclusões, o Juízo de Recurso concluiu, por maioria de votos, que a condenação de Bemba necessitava ser revertida, pois ele não poderia ser considerado criminalmente responsável de acordo com o Artigo 28 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional***, pelos crimes cometidos pelo Movimento de Libertação do Congo (MLC) durante a operação realizada na República Centro Africana. Assim, deveria ser absolvido. Durante a leitura da sentença de absolvição, apoiadores de Bemba comemoraram na galeria pública do TPI, a ponto de interromper o anúncio pela Juíza Presidente.
Jean-Pierre ainda responde a outro processo, por crime contra a administração da justiça no Caso “Bemba et al.” perante o Juízo de Primeira Instância VII (“Trial Chamber VII”).
O Juízo de Recurso indicou que não há motivos para que sua detenção continuasse quanto ao “Caso principal” que julgou, deixando a decisão de manutenção da detenção, em relação ao segundo processo, ao Juízo de Primeira Instância VII. Este decidiu pela soltura provisória do réu em 12 de junho de 2018, pois levou em consideração o fato de o acusado já haver cumprido 80% da pena máxima possível, caso fosse condenado, algo que a Câmara entendeu desproporcional para a manutenção da prisão. Determinou, assim, uma liberação provisória até a sentença final ser proferida.
Bemba encontra-se, no momento, na Bélgica, onde se encontrou com sua família. Está proibido de fazer declarações, dentre outras condições específicas as quais precisa obedecer.


Fatou Bensouda
Fatou Bensouda, Procuradora-Chefe do TPI, em um pronunciamento sobre a absolvição, declarou que, como oficial da Corte, precisa obedecer e respeitar tal decisão, porém, demonstra preocupação. Ela também pontua sobre o impacto da mesma nas vítimas.
A decisão da primeira instância foi muito importante, pois considerou o estupro uma arma de guerra e a responsabilidade do comandante da tropa pelos atos praticados pelos seus subordinados. A Anistia Internacional manifestou, em seu sítio na internet, que a absolvição será sentida como um grande golpe pelas muitas vítimas das campanhas de estupros e violência sexual da RCA.
Tal decisão implicará em consequências políticas na República Democrática do Congo, onde o ex-réu ainda conta com grande apoio interno, a ponto de sua absolvição ter sido comemorada por parte da população local. Há uma expectativa de que Bemba, opositor do atual presidente Joseph Kabila, de que possa disputar eleições presidenciais, as quais estão previstas para o dia 23 de dezembro de 2018. Estima-se que ele possua 10% da intenção de votos.
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Notas:
*Artigo 74 – Requisitos para a Decisão
- O Juízo de Julgamento em Primeira Instância fundamentará a sua decisão com base na apreciação das provas e do processo no seu conjunto. A decisão não exorbitará dos fatos e circunstâncias descritos na acusação ou nas alterações que lhe tenham sido feitas. O Tribunal fundamentará a sua decisão exclusivamente nas provas produzidas ou examinadas em audiência de julgamento.
** Artigo 61 – Apreciação da Acusação Antes do Julgamento
- Tendo os fatos constantes da acusação sido declarados procedentes, e antes do início do julgamento, o Procurador poderá, mediante autorização do Juízo de Instrução e notificação prévia do acusado, alterar alguns fatos constantes da acusação. Se o Procurador pretender acrescentar novos fatos ou substituí-los por outros de natureza mais grave, deverá, nos termos do preserve artigo, requerer uma audiência para a respectiva apreciação. Após o início do julgamento, o Procurador poderá retirar a acusação, com autorização do Juízo de Instrução.
***Artigo 28: Responsabilidade dos Chefes Militares e Outros Superiores Hierárquicos
Além de outras fontes de responsabilidade criminal previstas no presente Estatuto, por crimes da competência do Tribunal:
- a) O chefe militar, ou a pessoa que atue efetivamente como chefe militar, será criminalmente responsável por crimes da competência do Tribunal que tenham sido cometidos por forças sob o seu comando e controle efetivos ou sob a sua autoridade e controle efetivos, conforme o caso, pelo fato de não exercer um controle apropriado sobre essas forças quando:
- i) Esse chefe militar ou essa pessoa tinha conhecimento ou, em virtude das circunstâncias do momento, deveria ter tido conhecimento de que essas forças estavam a cometer ou preparavam-se para cometer esses crimes; e
- ii) Esse chefe militar ou essa pessoa não tenha adotado todas as medidas necessárias e adequadas ao seu alcance para prevenir ou reprimir a sua prática, ou para levar o assunto ao conhecimento das autoridades competentes, para efeitos de inquérito e procedimento criminal.
- b) Nas relações entre superiores hierárquicos e subordinados, não referidos na alínea a), o superior hierárquico será criminalmente responsável pelos crimes da competência do Tribunal que tiverem sido cometidos por subordinados sob a sua autoridade e controle efetivos, pelo fato de não ter exercido um controle apropriado sobre esses subordinados, quando:
- i) O superior hierárquico teve conhecimento ou deliberadamente não levou em consideração a informação que indicava claramente que os subordinados estavam a cometer ou se preparavam para cometer esses crimes;
- ii) Esses crimes estavam relacionados com atividades sob a sua responsabilidade e controle efetivos; e
iii) O superior hierárquico não adotou todas as medidas necessárias e adequadas ao seu alcance para prevenir ou reprimir a sua prática ou para levar o assunto ao conhecimento das autoridades competentes, para efeitos de inquérito e procedimento criminal.
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Fontes das Imagens:
Imagem 1 “Logo oficial do Tribunal Penal Internacional” (Fonte):
https://pt.wikipedia.org/wiki/Corte_Penal_Internacional#/media/File:International_Criminal_Court_logo.svg
Imagem 2 “Pôster anunciando um protesto em Bruxelas em apoio de Bemba logo após sua prisão” (Fonte):
https://en.wikipedia.org/wiki/Jean-Pierre_Bemba#/media/File:J.P.BembaPoster.JPG
Imagem 3 “Fatou Bensouda” (Fonte):
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fatou_Bensouda#/media/File:Deputy_Prosecutor.jpg