Nesta semana, as eleições egípcias enfrentaram baixos índices de comparecimento às urnas. O segundo dia de eleições – a última terça-feira – foi primeiramente estendido por uma hora, além de declarado feriado nacional, a fim de estimular eleitores a comparecerem. Ao fim da terça-feira, no entanto, o período de votações foi prolongado por mais um dia, à medida em que o índice de comparecimento preocupa as autoridades[1].
Acrescentando a essas medidas, o Secretário Geral da Suprema Comissão Eleitoral, Abdel Aziz Salman, afirmou que eleitores que se abstivessem da votação sem justificativa seriam multados em valor equivalente a US$ 70, de acordo com o Artigo 43 da Comissão Eleitoral Presidencial[2].
Ontem, quinta-feira, dia 29 de maio, após o término das eleições, os resultados preliminares apresentaram uma vitória do ex-Ministro da Defesa e ex-General, Abdul Fattah al-Sisi com 93,3% dos votos[3]. De fato, observadores internacionais vinham se referindo a essas eleições como uma “corrida de um cavalo só”[4], em que Sisi aparecia como vitorioso “inevitável”[1]. Responsável por depor o então presidente Morsi em julho de 2013[1], ele teve como único opositor Hamdeen Sabahi, que havia ficado em terceiro lugar na eleição presidencial de 2012, ganha por Morsi[5], e tinha recebido apenas cerca de 3% dos votos naquela eleição[3].
Embora o esquerdista Sabahi oferecesse uma alternativa a jovens votantes que preferem um candidato civil a um militar, Sisi contou com o apoio de grandes empresários, assim como de um vasto grupo de partidos, desde a direita islamista até a esquerda moderada[4].
Avaliações preliminares também apresentaram um comparecimento às urnas de 46% dos 53 milhões de eleitores registrados, uma porcentagem respeitável se comparada com os índices de outras eleições após a queda de Mubarak, em 2011. Entretanto, como aponta Patrick Kingsley, do Guardian, este índice só foi alcançado com uma extensão do período de votação, com a proclamação de um feriado nacional “de última hora” e com ameaças de multa a eleitores ausentes, como mencionado acima – e, ainda assim, o comparecimento às urnas foi inferior aos 80% que Sisi havia pedido aos eleitores nos dias anteriores à votação[6].
Além disso, como destaca o especialista Mohamed el Dahshan[7], a própria vitória de Sisi tem sua legitimidade questionada. Sua campanha não foi penalizada por distribuir milhares de lâmpadas econômicas, como parte de sua proposta política a respeito da crise energética do país[8]. Mais importante, sua campanha fez uso de recursos estatais, incluindo o uso de aviões para a distribuição de panfletos e do porta-voz do Exército como seu secretário pessoal[7].
Esses resultados favorecem a análise do analista Richard Wike[9], que, em recente artigo publicado no portal Foreign Policy, baseado em uma pesquisa conduzida pelo Pew Research Center[10], apontou que a suposta unanimidade em torno do nome de Sisi para a presidência não encontra respaldo nas estatísticas[9]. De acordo com a pesquisa, 54% dos egípcios se manifestaram favoráveis a Sisi, enquanto 45% se mostraram contrários ao ex-General. Embora se trate de uma maioria, esses números, no entanto, desmentem a ideia de que o “Egito está se reunindo em torno de um herói nacional”[9].
Nesse contexto, o comparecimento às urnas era fundamental para a legitimação da presidência de Sisi. Como explica Kevin Connolly, da BBC, um baixo índice de comparecimento às urnas prejudicaria a autoridade de Sisi ao assumir a Presidência; além disso, seria embaraçoso se o ex-General obtivesse menos de 13 milhões de votos, número atingido por Morsi nas últimas eleições[1]. Embora Sisi tenha evitado esse constrangimento, os 46% (cerca de 24 milhões) de eleitores que compareceram às urnas figuram muito abaixo dos 40 milhões esperados e ameaçam privar o futuro Presidente egípcio de um mandato forte necessário reparar a economia do país, “que sofre com a corrupção, com um elevado índice de desemprego e com um crescente déficit orçamentário agravado por subsídios a combustíveis que poderiam custar cerca de US $ 19 bilhões no próximo ano fiscal”[3].
A economia egípcia, vista como em má forma por 76% dos egípcios[9], constitui um sério desafio a Sisi. Após a queda de Mubarak, 56% dos egípcios afirmavam esperar que a economia melhoraria nos 12 meses seguintes[9]. Agora, esperam que o novo líder “cure os problemas crônicos” do país[11].
Por um lado, enquanto Sisi elaborou planos ambiciosos para desenvolver a agricultura, habitação, educação, áreas empobrecidas e emprego; ele foi vago quanto a forma como os recursos para tais transformações serão obtidos[4]. Conforme a analista Anna Boyd aponta, “o baixo índice de comparecimento às urnas torna mais difícil para Sisi a imposição de reformas econômicas dolorosas que as instituições e os investidores internacionais estão exigindo”[3]. Ao mesmo tempo, muito de sua plataforma política foi mantida secreta sob a égide da “segurança nacional” e sua campanha política não contou com nenhuma aparição pública, supostamente por Sisi temer por sua vida[11].
Não obstante, dentre as mudanças de opinião entre os egípcios sobre os rumos do país, a mais perturbadora concerne a um decrescente entusiasmo pela Democracia: agora, apenas 59% dos egípcios acreditam que a Democracia é o melhor Regime Político (na pesquisa apresentada como Forma de Governo); número inferior aos 66% de 2013 e aos 71% de 2011. Mais importante, pela primeira vez, desde 2011, quando perguntados pela primeira vez, egípcios dão maior prioridade a um Governo estável (54%) do que a um Governo democrático (44%)[9].
Ironicamente, a falta de entusiasmo pela Democracia parece se refletir, precisamente, no baixo índice de comparecimento às urnas. Todavia, tais sentimentos podem vir a favorecer a ocorrência de crescentes violações de direitos humanos documentadas pela Amnesty International[12] – como restrições aos direitos de liberdade de expressão, associação e reunião e tribunais seletivos –, além de um clima de perseguição estatal à Oposição, conforme respaldado pela nova Constituição, sobretudo no que concerne a “luta contra o terrorismo”[13].
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Imagem “As primeiras eleições egípcias desde a queda de Mohammed Morsi em julho de 2013 ocorrem nos dias 26, 27 e 28 de maio” (Fonte):
http://amnesty.org/en/news/egypt-post-election-fears-human-rights-impunity-holds-fast-2014-05-23
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Fontes consultadas:
[1] Ver:
http://www.bbc.com/news/world-middle-east-27593509
[2] Ver:
http://www.dailynewsegypt.com/2014/05/27/fining-abstainers-law-will-implemented-mehleb/
[3] Ver:
http://www.reuters.com/article/2014/05/29/us-egypt-election-idUSKBN0E70D720140529
[4] Ver:
http://www.bbc.com/news/world-middle-east-27475293
[5] Ver:
[6] Ver:
http://www.theguardian.com/world/2014/may/29/abdel-fatah-al-sisi-sweeps-victory-egyptian-election
[7] Ver:
http://www.atlanticcouncil.org/blogs/egyptsource/egyptian-elections-first-conclusions
[8] Ver:
[9] Ver:
http://www.foreignpolicy.com/articles/2014/05/23/egypt_isnt_stable_sisi_presidential_election_poll
[10] Ver:
[11] Ver:
http://www.bbc.com/news/world-middle-east-27536096
[12] Ver:
http://amnesty.org/en/news/egypt-post-election-fears-human-rights-impunity-holds-fast-2014-05-23;
Ver também:
[13] Ver:
https://ceiri.news/anti-terrorismo-e-a-nova-constituicao-egipcia/