No último sábado, 29 de novembro, a Corte Egípcia do Cairo abandonou o caso contra o ex-presidente Hosni Mubarak, que estava sendo acusado de haver ordenado a polícia assassinar centenas de manifestantes durante os levantes de 2011. A Corte também inocentou das mesmas acusações os principais assessores de segurança de Mubarak[1].
A decisão foi anunciada depois de 3 anos de investigação e acumulação de 160 mil páginas de evidência, além de filmagens de muitas das mortes de protestantes, pelas quais Mubarak e seus assessores estavam sendo acusados. O processo judicial, no entanto, demonstrou-se vacilante desde o início, levando a concluir que foi apenas em função da grande pressão pública, principalmente por parte das famílias dos cerca de 850 civis mortos durante os protestos, que o promotor chefe egípcio, nomeado pelo próprio Mubarak, viesse a concordar em apresentar queixas de última hora contra o ex-presidente[2].
O Juiz responsável argumentou que uma vasta “conspiração internacional, americana e hebraica”[2], focada em dividir as nações árabes, teria tramado a derrubada do Governo egípcio, infiltrando-se em manifestações anti-Mubarak e “sub-repticiamente abrindo fogo a fim de inflamar as multidões”[2], sendo responsável pelas mortes de civis e policiais.
Ultrajados com tal veredito, milhares de pessoas se reuniram na Praça Tahrir – o berço dos levantes de 2011[3]. Forças de segurança egípcia utilizaram de gás lacrimogêneo, canhões de água e munição letal para dispersar a multidão, levando à morte de pelo menos duas pessoas e ferindo nove[4].
No dia seguinte ao anúncio do abandono do caso contra Mubarak e seus assessores, o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi afirmou que aceitava a decisão final da Corte, enfatizando que o Egito deve agora “olhar para o futuro”[5]. Sisi também declarou, na segunda-feira, que não haverá nenhum retorno à antiga ordem e que o “novo Egito […] está no caminho de estabelecer um Estado democrático moderno”[6].
No entanto, o suposto caráter democrático desse “novo Egito” é posto em cheque por uma crescente gama de mecanismos legais usados pelo atual Governo contra a Oposição[7]. De fato, como aponta o The Economist, o veredito do último sábado contrasta com a rigidez com que juízes têm lidado com a Oposição, incluindo a declaração de centenas de sentenças de morte[8] baseadas em evidências escassas e longo aprisionamentos para dezenas de jovens que não fizeram “nada mais do que segurar um cartaz no canto de uma rua”[2].
A esse contexto, adiciona-se o recente anúncio de 188 sentenças de morte de partidários da Irmandade Muçulmana – partido do ex-presidente Mohammad Morsi, derrubado por Sisi em julho de 2013[9] – e o fechamento da Praça Tahrir, já por duas vezes, após a decisão judicial ter sido divulgada[10].
Talvez descrever o governo de Sisi com o um retorno à ordem de Mubarak seja uma comparação simplista, negando as particularidades de ambos os regimes e seus percursos históricos – o que, no caso de Sisi, ainda está se desenvolvendo. Ainda assim, para a juventude egípcia que lutou pela derrubada de Mubarak, em 2011, o veredito do último sábado vem como um forte golpe na esperança que a Primavera Árabe incorporava[11] e motivou os próprios protestos de 2011, cujas consequentes mortes ainda carecem de justiça.
Embora Sisi defenda um “novo Egito (…) …baseado em justiça, liberdade, igualdade e renúncia da corrupção”[6], a atual realidade egípcia parece por em perigo a liberdade de expressão e igualdade jurídica, apontando para um futuro distante de tais ideais democráticos.
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Imagem “Mulher grita slogans anti-governo durante protesto contra abandono de caso judicial contra Mubarak, Cairo, 2 de Dezembro de 2014” (Fonte):
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Fontes Consultadas:
[1] Ver:
[2] Ver:
http://www.economist.com/news/middle-east-and-africa/21635304-hook
[3] Ver:
http://www.bbc.com/news/world-middle-east-30265434
[4] Ver:
[5] Ver:
[6] Ver:
http://english.alarabiya.net/en/News/middle-east/2014/12/01/-No-return-to-old-Egypt-Sisi-says-.html
[7] Ver:
https://ceiri.news/egito-mecanismos-legais-contra-a-oposicao/
[8] Ver:
https://ceiri.news/governo-egito-estabelece-529-sentencas-de-morte/
[9] Ver:
http://www.bbc.com/news/world-middle-east-30302258
[10] Ver:
[11] Ver: